domingo, 20 de maio de 2018

O consumo de droga em Portugal. A droga em Portugal está podre


O consumo de droga em Portugal. | 19 Abr, 2018

ANTENA ABERTA  RTP Antena 1
Programa de 19 Abril 2018
Directo do Jornalista António Jorge com Luís Patrício. Diálogo REAL

Dito e DIFUNDIDO em DIRECTO. Gravado e aqui transcrito. Aqui fica para que se saiba. 

Destaques e texto por Luís Patricio

Jornalista António Jorge - Bom dia dr. Luís Patrício. Obrigado por estar connosco. O senhor, enfim, foi o fundador do CAT das Taipas, não é?

Luís Patrício - Um dos fundadores

AJ - Um dos fundadores, deixou esta unidade em 2008
LP - Bati com a porta. Exacto.

AJ - Continua a trabalhar com toxicodependentes, profundos. Dirige agora, julgo que no sector privado uma unidade de aditologa e patologia dual. Portanto continua muito por dentro destas questões e de resto foi um dos homens que esteve também na equipa técnica que tentou desenhar estas salas de consumo assistido, que finalmente vão ser criadas em Lisboa.

E digo finalmente dr prof Luis Patricio para perceber uma coisa: demoramos tempo demais, ou seja entre a legislação que data de 2001 e até 2019 na pior das hipóteses, 17 anos é tempo demais para serem criadas as primeiras salas de “chuto” em Portugal?

LP - É uma vergonha
Ajudei a fazer a Lei. O Dr. Vitalino Canas convidou-me para apresentar o projecto da lei. Eu disse que do ponto de vista técnico que o faria. Juntei-me com alguns colegas e apresentámos a lei.
A lei de 2001 de Redução de Riscos, que tem várias intervenções, que propõe várias intervenções, entre as quais as salas de consumo, assistido, consumo recatado, fixas e móveis. Bom. Dezoito anos depois, isto não é atraso, é uma vergonha, é uma miséria.

E há aqui um paradoxo que vale a pena tentar perceber. Se não existiam é porque a lei não faria sentido. Agora de repente vêm três. Porquê três de repente? Bom.
Obviamente que eu sou a favor das salas de consumo. Mas temos que ter aqui algumas precauções.
Por exemplo. Em Paris, quando abriram a Sala, junto da Gare do Norte, que é anexa a um hospital, os colegas que dirigem, o grupo que dirigiu esse trabalho, teve negociações com os vizinhos, com a entourage local, que foram arrastadas mais de um ano. 
Eu pergunto: isto está a ser salvaguardado? Em 3 locais ao mesmo tempo? Está a ser salvaguardado? Bom, outra questão

AJ - Deixe-me sublinhar esse aspecto. Peço-lhe para repetir. Qual é a sua dúvida em relação ao que está a ser..

LP - A instalação de um instrumento destes de intervenção social, levanta questões sociais significativas. Eu recordo-me de em 2001, na altura em que foi feita a grande intervenção no Casal Ventoso, haver um político, o dr. Portas que dizia, nunca haverá aqui uma sala de consumo. Enfim, fiquei muito triste de ouvir aquilo e felizmente que isso foi esquecido.
Mas a questão… Que negociação foi feita com os vizinhos, com os habitantes do bairro, com as pessoas que frequentam aquelas zonas, para a instalação das salas de consumo?

Identificaram 3 locais. Muito bem. E agora eu pergunto: de facto tem sido feito o trabalho de retaguarda para que isto possa ter sucesso? Pergunto: as equipas de rua tem formação para fazer esse tipo de trabalho? Quem fez, quando fez e de que maneira?

Porque em Portugal não há especialistas em droga. Quando se diz é especialista em toxicodependência, é mentira, não há. Há pessoas que se dedicam, há pessoas que trabalham, umas sabem mais outras sabem menos, mas credenciado não há.

E quando não há credenciados, aquilo que fazem os poderes, os governos, enfim, as autarquias, nomeiam os peritos.

Portanto o perito ás vezes é um primo, é um amigo, um interessado, uma pessoa de bom coração, mas aqui temos que exigir competência…..

Outra dúvida que tem que se perguntar é assim: estão identificadas 1400 pessoas que fazem consumos de alto risco, na rua. E eu aqui convido (passe a publicidade) vão ao youtube, escrevam dr Luís Patrício Mala da Prevenção ou psimedicina (https://www.youtube.com/user/psimedicina ) e vêm imagens de Lisboa, da grande Lisboa, não é só o centro da cidade, da grande Lisboa, denunciando aquilo que, a boa imprensa tem escondido ao longo destes anos todos e que agora começa a aparecer.
Portanto a droga em Portugal está podre
Portanto e agora de repente vamos criar três estruturas

AJ - Desculpe, desculpe. A droga em Portugal está podre, o que é que isso quer dizer?

LP - Quer dizer que há muita coisa que se não diz que existe, mas existe.
Se for, se levar o seu microfone aos locais de consumo onde agora vão fazer as salas e perguntar há quantos anos estamos nisto, percebemos que a estrutura está podre.

E estas pessoas, mais grave ainda, parte destas pessoas, frequentaram ou frequentam ainda irregularmente os serviços do Ministério da Saúde, os Cat as ET. Então eu pergunto assim: que qualidade de serviço é que tem sido feito para conseguir recaptar as pessoas para processo terapêutico?

E aqui com uma dificuldade: trabalhar na rua (e está aí uma senhora assistente social da rua e sabe bem o que é que eu estou a dizer), trabalhar na rua é muito mais difícil. As pessoas têm que ter muito mais competência, mais exigência, mais experiência, para trabalhar junto de pessoas que não têm motivação para se tratar. Ora bom, se eu puser na rua pessoas de boa vontade chamados maçaricos, o que é que eu estou a fazer? Posso estar a despejar preservativos…


Vou-lhe dar outra coisa que está podre, por hipótese. Outro dia fui com uma assistente social, para uma das zonas do Casal Ventoso. E numa hora, eu e ela, sentados no chão, de cócoras, apanhamos 500 preservativos. E num bocadinho, os dois. Ora bom, o que é que isto quer dizer? 
Que a distribuição de material, que é importantíssimo que exista, e existe, tem que ser feita, de uma forma que não esteja a dar a quem não precisa, aquilo que ele não vai usar. Preservativos por utilizar. 
(https://www.facebook.com/maladaprevencao.drluispatricio/photos/a.1489803887983698.1073741826.1489803757983711/1571094779854608/?type=3&theater)
Eu levei estes preservativos à Assembleia da Republica numa sessão que o Bloco de esquerda me convidou, espalhei no chão, espalhei na Assembleia Municipal em Lisboa.
https://www.youtube.com/watch?v=JgYRU_ptXVU)

Eu tento provocar para que se veja o que é que é necessário limar daquilo que se faz de conta que se faz bem e de facto não se está a fazer bem
Isto tem que ser dito.

Dou-lhe outra noção: há pessoas que injectam comprimidos de Dormicum, Midazolam, medicamento (e ao fazer isso estão a agravar ainda mais a sua situação) que se vendem a 1 euro. 

Continua sem estar na lei a limitação ao acesso deste medicamento objecto de abuso. Há anos que andamos a falar nisto

Portanto eu digo…
 (https://www.facebook.com/maladaprevencao.drluispatricio/photos/a.1489803887983698.1073741826.1489803757983711/1689374801359938/?type=3&theater)

AJ - E o senhor fala desse medicamento em particular porque é esse medicamento em particular

LP - Este medicamento porque é injectado, injectado. Existe em líquido, mas em líquido não tem problema desta forma e usa-se todos os dias em medicina.
Injectar comprimidos é uma agressão brutal

Em França, os nossos colegas e os serviços de rua, têm filtros para quem faz este tipo de consumo.

Há dois modelos de filtro. 

Cá em Portugal não há.

Vou-lhe dar outro exemplo. Nos kits há um ácido que é distribuído para as pessoas, quando consomem heroína, diluírem com ácido. 

Há embalagens de ácido, cá em Portugal, que os consumidores têm dificuldade em abrir. Eu falo com eles. Eu vou á rua falo com eles, tenho isto filmado. 
E aquilo que é difícil é as pessoas perceberem que se não há ácido vão usar limão. Agravam o consumo. 

Portanto eu digo assim: em termos de qualidade nós temos que fazer aqui um reset disto tudo. E em termo de quantidade, obviamente nesta situação…

E depois há aqui mais um elemento que é complicado, porque algumas pessoas têm medo de falar. E isto é de facto muito triste porque profissionais competentes uns desiludidos e outros abandonados e portanto …

E depois outra questão, a mudança de geração. Há muita gente que está, … portanto os anos passam, e pronto.
E há muitos profissionais que estão desiludidos e temos infelizmente alguns profissionais vendidos.


E é bom dizer coisas bonitas para o poder, que fica contente. E os poderes têm mudado e ouvem, mas nós temos que falar é da verdade da realidade e não da verdade da conveniência

E em Portugal tem havido, tem havido um abuso na questão da verdade da conveniência.

E a sua primeira pergunta (não quero incomodar mais), a sua primeira pergunta diz tudo.
Então se em 2001 foi feita uma lei, na altura uma lei pioneira, foi feita uma lei porque havia uma necessidade mais do que manifesta, porque é que andámos a dormir 18 anos e não foi preciso?

E agora temos que pensar outra coisa e por aqui me fico. O sucesso feito no Casal Ventoso, provocou também uma pulverização deste tipo de comportamentos. Bom.

E então, uma estratégia que fosse pensada com cabeça, tronco e membros, não era para uma cidade que tem 700 mil habitantes ou pouco mais, e para 1400 consumidores, desvalidos por assim dizer, e que boa parte deles nós conhecemos e alguns vão morrendo (quando volto lá tenho essa surpresa), devia ser pensada em termo da região da Grande Lisboa, da região da Grande Lisboa, margem esquerda margem direita, margem norte, margem sul.

Estive há pouco tempo numa zona de consumo, pesada, pesada, fora da cidade de Lisboa, já noutra autarquia, e há um consumidor que fez um apelo (pus isto na Mala da Prevenção no Facebook) o apelo: doutor venha cá com o Presidente da República a ver se isto muda.

Portanto tem havido o viver de um sucesso, que houve de facto, provado no que diz respeito ao controlo de patologias infeciosas, e depois o resto que enfim… 

A manta é curta, estica daqui estica dali, mas cala-te. 
Vou-lhe dizer: uma vez um colega seu, colega seu não porque o senhor é profissional com competências… alguém me diz assim: porque não te calas? Quer dizer, há qualquer coisa que tem que ser repensada.

Em 1986 a doutora Manuela Eanes promoveu em Portugal um Encontro a Droga em Portugal que respostas? Foi uma pedrada no charco e a coisa reanimou. No ano seguinte voltámos a fazer, eu ajudei, e voltámos a fazer. Mas tem que ser feito novamente, mas falar toda a verdade e não a verdade da conveniência. 


Se pegar na Lei de Redução e Riscos de 2001, há lá mais uma serie de propostas que não são feitas. Nós temos realmente brutal aumento do consumo de cocaína

A J - Recorde-nos essas propostas
LP - Vou dar por exemplo o Testing. E essa senhora que está aí sabe também o que eu estou a dizer… O Testing permite que o senhor ou eu, querendo, temos, por lei, temos acesso a identificar, a saber o que é que estamos a consumir.

AJ - Pois que essa é uma das dificuldades também dos nossos tempos, não é?

LP - Ora bem. Porque é que não há? Eu vou-lhe dizer. Em 2001… Eu conheço as estruturas de que falou. Todas. Em 2001 (aliás fui fundador de uma delas e fui colaborador, ajudei, estimulei outra e por aí fora. Mas são… as coisas mudam e as pessoas… e eu continuo caminho).

Em 2001 fiz nas docas de Lisboa (porque aprendi em França e vou lá fora aprender muito, mesmo com os 65 anos continuo a aprender) e fiz o Testing na rua. E havia pessoas que diziam: então você está a pegar numa coisa ilegal, para fazer um teste de presunção. E de facto aquilo que acontecia é que o consumidor punha à minha frente um fragmento de uma coisa que eu não sabia o que era, supostamente seria ilegal, fazia-se o teste e depois falava-se com o doente, com o consumidor, em termos de presunção. E depois ele decidia se consumia o resto, (o outro bocado tinha sido queimado com ácido sulfúrico). Ele decidia se consumia o resto, se ia vender ou se deitava fora.

Mas isto permitia chegar ao contacto com as pessoas de uma forma muito directa.

Oiça. O ano passado, com um colega francês cheguei ao Casal Ventoso (com os Médicos do Mundo), fazer uma formação sobre Como consumir, como injetar, ensinar a injectar. As pessoas das equipas de rua, os que estavam diziam: estamos a aprender isto pela primeira vez. 

Quer dizer: estamos a trabalhar com pessoas que fazem consumos de risco, de alto risco, consumo séptico e por aí fora, mas não temos o conhecimento que seja necessário, para junto de quem precisa podermos transmitir.

Por isso eu digo assim: então há qualquer coisa que está mal.

Na forma existe.

No conteúdo, qualidade e quantidade reticências.

Nós pagamos impostos e não é para isto, garantidamente.

Mas eu estou fora da caixa. Mas de qualquer forma continuo a trabalhar e pronto, quando sou chamado sou chamado…

AJ - Ponto um da intervenção de Luís Patrício, as salas de chuto já chegam tarde, é uma vergonha. Esta solução continua a estar actual noutras cidades do mundo?

LP – Continua a estar actual. Vou lhe dar um exemplo: em França, só o ano passado é que as coisas começaram a ganhar uma dimensão. Aquilo que eu pergunto se está actual é se para a cidade de Lisboa, não devíamos pensar qualquer outra em termos da região e toda a estratégia… 

Porque há aqui um outro elemento: eu tenho uma sala de consumo e é uma perspectiva de reduzir os riscos. 

Mas depois há a perspectiva, tentar começar a trabalhar na minimização dos danos. Isto obriga, forçosamente, a enviar para uma estrutura de tratamento.

E esta estrutura de tratamento tem que estar acessível, portanto não tem que haver listas de espera (como durante muitos anos não tivemos), tem que ter pessoas com competência, tem que ter assistência médica. 

Eu hoje em dia fico envergonhado quando encontro alguém que me diz “Há seis meses que estou neste ou naquele sitio, e não vejo médico.

Portanto anda mais de 6 meses, e alguns mais do que isso, a tomar medicação que o psicólogo ou outro profissional lhe leva, mas médico não.

Quer dizer: isto não é qualidade. 

E por outro lado também há quem diga “Vou lá e são consultas de 5 minutos”. 

E depois vem outro profissional diz a medo: “pois aquilo despacham-se 8 numa hora, é para a estatística”. 

Oiça, isto é uma… E só para terminar. Nós construímos, estamos a construir uma rede de intervenção que, espalhada pelo país, onde era possível com os profissionais da saúde mental, onde não era possível porque estavam sobrecarregados ou não queriam entrara, com os profissionais da medicina geral e familiar e noutros sítios conseguimos fazer com os dois.

Foi criada uma rede nacional na perspectiva de, quando, em devido tempo, as pessoas todas já com capacitação (não é especialistas), com capacitação, passassem a ter resposta nos Centros de Saúde. Isto começou e depois mais tarde (dois mil e tal) começou uma tentativa de ser feita e não foi bem exportada. E agora consta que vão refazer aquilo que foi uma estrutura moribunda.

Quero eu dizer quem não estiver a viver num sitio de maior dimensão e que tem um problema de álcool continuamos como estávamos, que tem um problema de jogo continuamos como estávamos, que tem um problema de agora ligado com abuso de internet e vídeo jogos continuam como estavam, um problema de abuso de benzodiazepinas continuamos como estamos.

A cocaína hoje é banal.




A canábis é banalissíma.
(https://www.facebook.com/maladaprevencao.drluispatricio/photos/a.1489803887983698.1073741826.1489803757983711/1829652620665488/?type=3&theater)

Há que fazer uma mudança profunda na lei, em função da canábis.
Os canabinoides são medicamentos como são os opióides e como são outros alcaloides que são usados em Medicina e são bons, e é importante que sejam usados.


Diferente é o consumo de canábis do ponto de vista recreativo.

E tem que ser assumido, porque há políticos, há professores universitários, há empregados de escritório, há desempregados…

Muita gente anda a consumir canábis e ninguém sabe aquilo que consome.

E pagam. E não sabem o que consomem.

Depois quando se estragam têm que vir ter com o médico e agora vai-me ajudar. Às vezes ficamos sem saber se o estrago é do próprio produto ou se é daquilo que lá vem misturado.

Mas é uma outra situação que tem que ser revista, em função da evolução e, digamos, do insucesso que tem sido a prevenção.

Quando a prevenção funciona as pessoas são mais cuidadosas

quando não funciona não existe, cada um procura “desenrascar-se”. 

E nesse aspecto nós temos muita verdade em Portugal.

AJ – Obrigado Luís Patrício

LP - Os meus cumprimentos e muito obrigado

AJ - Enfim… Ficávamos aqui a ouvi-lo muito mais tempo e muitos de nós de boca aberta em relação aquilo que nos disse agora aqui o psiquiatra Luis Patrício

Comentário final neste post: Porque não somos todos farinha, nem farinha do mesmo saco, nem do mesmo tipo, aqui transcrevi o que eu disse sobre a DROGA em Portugal, para que se saiba-

Convidaram-me para falar em directo, pensei que falaria breves minutos, mas afinal, o tempo alargou, e pude dizer muito do que existe mas é negado, possibilidade que nos últimos 10 anos não tem sido nada frequente.
Obrigado Jornalista António Jorge por ter levado muito mais informação muito mais longe.

Há mais para dizer, há muito para rever para melhor fazer. Voltarei oportunamente. 
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