O estrangeiro e as notícias da descriminalização
da “droga” em Portugal
Por Luís Duarte Patrício
Médico Psiquiatra
Correspondente T3E em Portugal
Desde há 22 anos que tenho tido a sorte de criar laços profissionais e de amizade com colegas estrangeiros.
Pude ajudar a construir no âmbito da profissão e da cidadania a rede Europeia, T3E Toxicomanies Europe Échange Études e a Federação Europeia de Associações de Profissionais ERIT (presidente eleito em 1998 e 1999/80).
Colaboro regularmente com outras associações de profissionais, ex: EUROPAD, Socidrogalcohol.
Ao longo destes anos tive oportunidade de partilhar experiências em 32 países de aprender com colegas de mais de 40.
Muitos destes colegas estrangeiros têm acompanhado a realidade portuguesa no âmbito da adictologia, visitam-nos com alguma frequência, interessam-se pelo que por cá se passa.
Mas ao longo do último ano, alguns colegas referiram os ecos da imprensa sobre o tema da Lei da Descriminalização.
E há quem estranhe o que por lá lê: não corresponde ao país que conhecem e que visitamos em conjunto sempre que oportuno.
Procurei ver na Web o que se tem publicado e com agrado vi notícias claras, mas não foi sem espanto que também vi algumas notícias erradas, fantasiadas e até inverdades.
Passar uma mensagem de forma fidedigna pode não ser fácil, e menos ainda em outra língua, mas há que insistir na clarificação. A primeira notícia é que vale / vende. Uma emenda é um pequeno alívio.
Aqui deixo 2 exemplos ainda que eu não saiba se foram emendados.
Isso aconteceu em Portugal. Eles têm campanhas de saúde reais, dezenas de milhares de crianças andando de bicicleta por toda Lisboa, por exemplo, e as campanhas entraram na rede educacional.
Esta frase está atribuída a Glen Greenwald “jornalista e comentarista político, que escreveu um relatório sobre os oito anos de descriminalização em Portugal para o Instituto CATO dos Estados Unidos”.
E sobre Portugal escreve a revista Le Point
Le pays où la drogue est légale
http://www.lepoint.fr/archives/article.php/405797
Há quem diga que a descriminalização mudou o panorama em Portugal.
Sejamos claros e recordemos que a lei anterior praticamente não era aplicada, nem no encarceramento nem nas alternativas que se podiam efectivar.
O esforço de muitos de nós profissionais de saúde foi, durante anos, dirigido para que houvesse mais respostas de tratamento e para que o consumo deixasse de punido como crime. E assim aconteceu.
E de facto o que mudou muito no país foi a criação da rede sanitária iniciada e então construída na medida das necessidades, com empenho dos profissionais e a compreensão e aceitação de médicos e de outros profissionais de saúde, de magistrados e de outros actores judiciais, de professores, e de muitos políticos locais, regionais e nacionais.
A sua compreensão, como "actores sociais" permitiu a muitos outros aceitar que uma pessoa dependente é uma pessoa que está doente.
E que estando doente, dependente, ao consumir de novo procura aliviar o sofrimento da privação aguda, chamada de ressaca, tal como acontece no dependente de substâncias legais, tabaco, álcool.
Deixando de haver criminalização, retirou-se o estigma e diminuíu a resistência do dependente de substância ilegal, na procura de tratamento.
Cito o jornal Liberation:
O assunto do consumo deixou de ser da justiça para ser um assunto de saúde.
Au Portugal, la drogue est une affaire de santé
http://www.liberation.fr/monde/01012303095-au-portugal-la-drogue-est-une-affaire-de-sante
Quando as pessoas consumidoras, integradas ou marginalizadas, consomem para aliviar o sofrimento, há que lhes propor, com verdade e sem demagogia, alternativas sanitárias de qualidade, credíveis e acessíveis, para ultrapassar esse sofrimento, incluindo a alternativa para o sofrimento da exclusão social.
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