terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

MEDICAMENTOS e MERCADO NEGRO


Os bons medicamentos quando bem utilizados e…  

O obscurantismo do mercado negro

e os riscos para a saúde


Por Luís Duarte Patrício, Medico Psiquiatra, Chefe de Serviço

A realidade é a realidade e quem não a olha para a ver “de frente” pode vê-la de forma diferente.

Quem sair à rua nos locais frequentados por pessoas consumidoras de substâncias psicoactivas conhecidas por droga, quem conversa com os consumidores de substâncias ilegais, dependentes ou não dependentes, ouve o que ouve e vê o que vê. E pode ver a realidade e perceber o que acontece e o que se tem passado nesse local, nessa área ou região, com o mau uso de medicamentos.

Nos últimos anos, o mercado negro de medicamentos “da droga” tem vindo a prosperar, o que nos deve fazer reflectir nas causas, consequências, no passado, no presente e no futuro.

O acesso a medicamentos no mercado negro é uma ameaça muito, muito grave para a saúde pública, seja pela sua toma indevida, pelos acidentes, seja pela ausência de controlo de qualidade, seja pela falta de garantia de uma adequada indicação terapêutica.

O acesso a medicamentos no mercado negro é uma atitude que um comprador em sofrimento pode viver como uma oportunidade porreira ou, como uma forma de desenrascar. Mas é sempre a expressão da desconsideração pelo sofrimento de uma pessoa doente e uma expressão da desconsideração pelo seu tratamento.

O acesso a medicamentos no mercado negro é também expressão de descuido ou de desgoverno na prevenção e na redução de riscos para a saúde dos consumidores não dependentes.

O acesso a medicamentos no mercado negro é ainda expressão da quebra do controlo de qualidade no tratamento dos consumidores dependentes de substâncias psicoactivas.

A prescrição de medicamentos não controlada pelo prescritor, pode tornar-se numa fonte de abastecimento de mercado negro, seja pela compra e venda de receitas, seja pela compra e venda a retalho de medicamentos.

A venda de medicamentos sem prescrição médica no mercado negro, desmotiva o comprador doente  da procura de tratamento e põe em causa a qualidade de toda a rede de tratamento.

E a venda de medicamentos sem prescrição médica numa farmácia, quantas vezes “feita por favor e boa vontade”, também afasta o doente das consultas médicas e da equipa terapêutica, também põe em risco o apoio diferenciado para tratamento de pessoa doente e põe de facto em causa a qualidade de toda a rede de tratamento.


As modas do abuso de substâncias,
também na escuridão do mercado negro

A lei da oferta e da procura impera também no mercado negro. Sempre assim foi e continuará a ser.
Em Portugal, nas passadas décadas de 70 e 80, consumiam-se bastantes medicamentos de abuso. Os profissionais "mais velhos" no âmbito da Aditologia, e as pessoas que então consumiram “droga” recordam-se certamente do abuso desses medicamentos. Os farmacêuticos "mais velhos" também se recordam certamente, das atitudes defensivas que assumiram, para fazer face a furtos e roubos nas farmácias.

Recordamo-nos do abuso de medicamentos estimulantes como aconteceu com as anfetaminas e similares.

E recordamo-nos do abuso de medicamentos que em excesso provocavam efeitos psicodislépticos.
E recordamo-nos do abuso de medicamentos sedativos, nomeadamente de barbitúricos, benzodiazepinicos e de opiáceos / opióides.

Nos últimos anos
Nos últimos anos, constata-se um importante crescimento no mercado negro, uma intensa oferta de medicamentos benzodiazepinicos e nomeadamente midazolam e de medicamentos opioides, sobretudo de metadona e de buprenorfina.

E como é sabido, para ter acesso a estes medicamentos em Portugal, há que cmprir com procedimentos técnicos e legais. Assim é exigida para acesso a metadona a inscrição num serviço do Estado Português ou num serviço associado e controlado pelo Estado Portuguêse, no caso da buprenorfina é exigida uma receita médica informatizada.

Contudo a receita informatizada actualmente em vigor, se for bem fotocopiada, pode contribuir para a multipla aquisição de medicamentos.

Em alternativa a esta receita informatizada, mantem-se em uso anterior receita médica especial, feita em triplicado, com identificação do médico prescritor, a identificação completa, número do Bilhete de Identidade e residencia do doente a quem se destina o medicamento e a identificação de quem compra o medicamento na farmácia.
Assim sendo, é fácil o controlo de quem tem acesso a estes medicamentos, de quem os prescreve e da pessoa a quem são prescritos.

Mas, se o mercado negro está abastecido é porque existem fornecedores que lá fazem chegar o que conseguem, muitos dos quais podem ser identificados, assim haja vontade.

Ignorância, laxismo, ou má vontade
De entre os muitos riscos para a saúde, provocados pelo mau uso de medicamentos, podemos destacar os riscos inerentes ao uso por via injectável, de medicamentos preparados para absorção por via oral, comprimidos ou líquido.

A humildade de aprender com os erros de outros, pode permitir construir entre nós, uma estratégia que impeça a repetição de asneiras.

Como é sabido, na preparação de muitos medicamentos são utilizadas outras substâncias activas e substâncias inertes.

Na preparação de medicamentos em comprimidos destinados a serem absorvidos pelo tubo digestivo, é prática frequente a junção de amido e de outros excipientes, incluindo o talco.  

Injectar um medicamento preparado para absorção oral, isto é, injectar o soluto de um comprimido esmagado, pode provocar, entre outras consequências um abcesso no local onde injecta, ou uma infecção sistémica, septicemia e até uma hepatite medicamentosa.

O amido e o talco de um comprimido, ao serem injectados para a corrente sanguínea, podem dificultar ou bloquear a circulação.

O talco é um mineral, silicato de magnésio, praticamente insolúvel em água. Apresenta-se puro, associado a amianto ou a sílica.

Existe nos comprimidos de muitos medicamentos, alguns dos quais são bem conhecidos: oxicodona, dihidrohergotamina, pentazocina, furosemida, metilfenidato, sulfato de morfina de libertação prolongada e ainda medicamenteos vasodilatadores das coronárias, dipiridamol, midazolan (Dormicum®), haloperidol, furosemida, piracetam e alguns genéricos de buprenorfina.

O tratamento com comprimidos de buprenorfina para uso sublingual, tecnicamente não pode ser desviado para uso IV, nem mesmo para "desenrascar".
O bom uso do medicamento opioide buprenorfina sub lingual, como tratamento de manutenção opióide, deve ser compreendido como um tratamento de manutenção de longo prazo, utilizando apenas e sempre a via sublingual.
Este tratamento deve sempre ser acompanhado de tratamento psicossocial regular, para que se vejam e sintam as mudanças para melhor.
Devido ao mau uso de comprimidos, constata-se cada vez mais que estão descritas graves lesões, especificamente atribuídas ao talco que é injectado ou inalado pelos doentes ao fazerem mau uso de comprimidos que contêm talco.

Dos danos provocados pelo consumo de mau uso de comprimidos contendo talco destacam-se: embolia pelo talco, abcessos, necrose cutânea, pneumopatia, embolia pulmonar, enfarto pulmonar, abcesso pulmonar, granulomas, enfisema pulmonar, talcose pulmonar.

Atendendo aos factos e ao que nos é transmitido por colegas de outros países onde há doentes que injectam comprimidos e pelos colegas portugueses que trabalham em locais onde se constata nomeadamente o mau uso de buprenorfina e de midazolam, há que partilhar a informação.

Importa controlar a acessibilidade a comprimidos de medicamentos contendo talco e amido, para pessoas que estejam numa situação de fragilidade ante a possibilidade de os usarem mal, por via IV.

Há que assumir frontalmente a necessidade de retirar aos consumidores e aos doentes dependentes, o acesso para mau uso com esses medicamentos, para reduzir a possibilidade do consumo IV de comprimidos.

Há que assumir que a eficácia num tratamento obriga a que a qualidade e os cuidados para o doente estejam garantidos.

No tratamento em regime ambulatório de doentes dependentes de opiáceos, com indicação para tratamento com agonista opióide, temos que, responsavelmente assumir a necessidade de utilizar respostas e estratégias e medicamentos que contribuam para a redução do consumo IV, como acontece com a associação buprenorfina+naloxona.

Persistir numa atitude de ignorância é agravar mais a negra situação de quem está em situação de risco de injectar comprimidos esmagados.

Importa informar os profissionais, nomeadamente os médicos, únicos prescritores, os farmacêuticos e outros profissionais de saúde (pública ou privada), e naturalmente os doentes e suas famílias.

Se concordar, partilhe esta informação.
Saber mais, promover a saúde

e partilhar o conhecimento que previne a doença,

contribui para melhorar a qualidade de vida de todos


Veja também
em

Medicamentos Opióides no tratamento de pessoas


doentes dependentes de heroína de rua
 ou de outros opiáceos

Recordar para não esquecer e para que se saiba










 
 
DESTAQUE AO COMENTÁRIO de ...
 
 
À luz de um pequeno excerto deste "post" que se refere á possibilidade de falsificar receitas medicas, não posso deixar de aproveitar para relatar uma situação que occorreu comigo á relativamente 3 ou 4 semanas.

Após uma consulta onde o assunto até ja tinha sido comentado dirigi-me a uma farmacia no sentido de comprar os medicamentos que me foram receitados nessa mesma consulta. Intrigado com a questão perguntei á farmaceutica que me atendeu se de alguma forma controlavam os numeros das receitas (neste caso atraves de leitura optica)á qual obtive como resposta um categórico Não e um subsequente encolher de ombros.

Ora, posto isto, e nao sendo propriamente um cidadão comum no que diz respeito ao conhecimento sobre "Software´s" de Gestão Empresarial, e partindo do presuposto que a esmagadora maioria das farmacias estão informatizadas no sentido de controlar stocks, vendas, emitir facturas, recibos, etc etc....coloco a questão da seguinte forma que, face á minha ignorancia sobre assuntos do foro da saude até pode ser vista de uma forma excessivamente simplista:
1- Sendo a receita um documento oficial e controlado pelo Ministerio da sáúde, entidade que creio ser a emissora das mesmas, devera ter certamente atribuido um numero unico e sequencial a cada documento;

2- Assumindo que o ponto 1 é verdadeiro, é tambem de presumir neste mundo das tecnologias que existe uma qualquer integração entre o software que reside em cada farmacia com um servidor no ministerio das finanças que por sua vez alojará uma outra qualquer aplicação de forma centralizada e que recolhe determinado tipo de informação oriunda de cada farmacia...
3 - Assumindo que os pontos anteriores sao verdade, pergunto, não faz sentido que o/a funcionario/a da farmacia leia esse numero de documento com o leitor de codigo de barras e que esse numero automaticamente fique registado como ja tendo sido processado numa farmacia algures neste pais e emita de imediato um alerta nesse sentido???