quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Carta aberta ao meu Pai

Mudar e muito, é Possível. 



Carta aberta ao meu Pai, em Dezembro 15

Pai,

Tenho pensado muito em ti ultimamente…

Em ti, em nós…nós os dois, na família, na Mãe, na Géninha …em nós. Tenho ido ao baú para ver fotos antigas. Fotos onde tu apareces. A cantar o fado (como não podia deixar de ser…), a passear em família, nas festas com os teus amigos, enfim, a fazeres o que gostavas (meu Deus, como ainda me custa escrever no passado!).

Tenho pensado muito em ti ultimamente…

Em ti, em nós…nos teus cabelos grisalhos, na tua voz com aquela tez grave, no teu cheiro a after shave pela manhã, no teu caracter forte, impulsivo, na tua genica, na tua alegria, nas tuas convicções, em tudo! Tenho pensado em tudo. Lembro-me de quando me dizias quando eu ainda era um puto e não me portava bem: “Filho és, pai serás…um dia vais-te lembrar de mim e das minhas palavras…filho és, pai serás…”. Eu abanava positivamente a minha cabeça, mas na realidade não percebia muito bem essa história do “Filho és, pai serás.”…

Tenho pensado muito em ti ultimamente…

É que sinto tanta tristeza por não estares ainda cá. Sinto tanta solidão sempre que vejo um filho relacionar-se com o pai, sinto e penso “Também quero o meu Pai cá!”. Sinto que foste mas não foste descansado e ainda ias preocupado, ainda ias lamentado…e sinto que foi por minha causa. Foi por minha causa que a tua doença piorou…pensas que não sei?! Não foi a origem, mas com certeza provocou um acelerar grande do processo…

Hoje que sou Pai compreendo como deve ser duro ver um filho nas condições em que me viste…como deve ter sido dura a nossa primeira conversa em família acerca do meu “problema”! Ainda me lembro onde foi. Na praia em Peniche. Estava eu, tu e a Mãe dentro do carro. Fomos ver um pôr-do-sol…e eu estraguei a festa…como dantes, como sempre…

Como deve ter sido dura a nossa primeira consulta com o Dr, como deve ter sido implacável veres-me a ressacar de heroína…como deve ter sido duro as vezes que fugi de casa (não havia telemóveis na altura…), como deve ter sido duro veres marcas de seringa nos meus braços, nas minhas mãos, no meu pescoço…como deve ter sido duro veres-me a ressacar forte e feio! Uma vez estava a ressacar tanto ao pé de ti que dei um espirro…e borrei-me todo!

É impossível um Pai não pensar “Meu Deus, mas onde falhei?!”. É impossível não ser violento para a cabeça de um progenitor.

Tenho pensado muito em ti ultimamente…

Eu já tinha saído da clinica, mas via-se perfeitamente que não estava maturado, não estava preparado, precisava de ajuda, clarividência, orientação.

Queria que soubesses que está tudo bem comigo Pai. Que soubesses que tenho um filho lindo, uma mulher que verdadeiramente me salvou de morrer, que deu tudo por mim e deu resultado sabes? Ela transformou-me, fez de mim um homem melhor, preocupado com a família e não consigo próprio, com o seu umbigo. Mostrou-me que amar é dar…Dar sem esperar, sem exigir.
Sim, porque sem esta orientação eu acho que não tinha chegado lá. Tinha o corpo limpo, mas a cabeça não…tinha o corpo limpo, mas a cabeça vazia, sem ideias, sem intenções, sem sonhos, sem nada! Só com esqueletos negros e ar, muito ar. Correntes de ar e esqueletos negros…muitas! Muitos!

Tenho pensado muito em ti ultimamente…

Queria que soubesses que a minha vida profissional está bem, que deixei de fumar, que passei a fazer exercício físico com frequência, que tudo isso me faz tão bem à minha alma. Queria que soubesses que o meu filho também se chama João, como tu! Que tem os teus jeitos, os teus trejeitos, que visto de trás é parecido contigo, tem o teu andar malandro e de marialva…Pai! Também é impulsivo, sensível, brincalhão e gozão…como tu!

Ver-te no cemitério não me chega…estás tão perto, mas também tão longe! É tão estranho ver uma foto tua no cemitério, tão estranho…ainda mais quando a foto era a cores e com o passar dos anos fica a preto e branco…simbólico no mínimo.

Tenho pensado muito em ti ultimamente…

Ultimamente tenho sentido mais tudo isto, pois lamento muito que só tenhas visto a 1ª parte deste filme. A 2ª parte tem sido muito mais serena, muito mais calma e tu merecias estar cá, merecias ter visto depois a 2ª parte. Penso que não foste descansado, não foste totalmente descansado e todos os dias penso numa maneira de te dizer, de chegar a ti, de te informar que está tudo bem Pai.

Pai, está tudo bem…está tudo bem.

Obrigado "Paulo" por esta partilha de autenticidade e exemplo. 
Boas Festas para as famílias dos Paulos e das Paulas.