Os bons medicamentos quando bem utilizados e…
O obscurantismo do mercado negro
e os riscos para a saúde
e os riscos para a saúde
Por Luís Duarte Patrício, Medico Psiquiatra, Chefe de Serviço
A realidade é a realidade e quem
não a olha para a ver “de frente” pode vê-la de forma diferente.
Quem sair à rua nos locais frequentados por pessoas consumidoras de substâncias psicoactivas conhecidas por droga, quem conversa com os consumidores de substâncias ilegais, dependentes ou não dependentes, ouve o que ouve e vê o que vê. E pode ver a realidade e perceber o que acontece e o que se tem passado nesse local, nessa área ou região, com o mau uso de medicamentos.
Nos últimos anos, o mercado negro de medicamentos “da droga” tem vindo a prosperar, o que nos deve fazer reflectir nas causas, consequências, no passado, no presente e no futuro.
O acesso a medicamentos no mercado negro é uma ameaça muito, muito grave para a saúde pública, seja pela sua toma indevida, pelos acidentes, seja pela ausência de controlo de qualidade, seja pela falta de garantia de uma adequada indicação terapêutica.
O acesso a medicamentos no mercado negro é uma atitude que um comprador em sofrimento pode viver como uma oportunidade porreira ou, como uma forma de desenrascar. Mas é sempre a expressão da desconsideração pelo sofrimento de uma pessoa doente e uma expressão da desconsideração pelo seu tratamento.
O acesso a medicamentos no mercado negro é também expressão de descuido ou de desgoverno na prevenção e na redução de riscos para a saúde dos consumidores não dependentes.
O acesso a medicamentos no mercado negro é ainda expressão da quebra do controlo de qualidade no tratamento dos consumidores dependentes de substâncias psicoactivas.
A prescrição de medicamentos não controlada pelo prescritor, pode tornar-se numa fonte de abastecimento de mercado negro, seja pela compra e venda de receitas, seja pela compra e venda a retalho de medicamentos.
A venda de medicamentos sem prescrição médica no mercado negro, desmotiva o comprador doente da procura de tratamento e põe em causa a qualidade de toda a rede de tratamento.
E a venda de medicamentos sem prescrição médica numa farmácia, quantas vezes “feita por favor e boa vontade”, também afasta o doente das consultas médicas e da equipa terapêutica, também põe em risco o apoio diferenciado para tratamento de pessoa doente e põe de facto em causa a qualidade de toda a rede de tratamento.
As modas do abuso de substâncias,
também na escuridão do mercado negro
A lei da oferta e da procura impera também no mercado negro. Sempre assim foi e
continuará a ser.
Em Portugal, nas passadas décadas de 70 e 80, consumiam-se
bastantes medicamentos de abuso. Os profissionais "mais velhos" no âmbito da Aditologia,
e as pessoas que então consumiram “droga” recordam-se certamente do abuso desses
medicamentos. Os farmacêuticos "mais velhos" também se recordam certamente, das atitudes
defensivas que assumiram, para fazer face a furtos e roubos nas farmácias.
Recordamo-nos do abuso de medicamentos estimulantes como aconteceu com as anfetaminas e similares.
E recordamo-nos do abuso de
medicamentos que em excesso provocavam efeitos psicodislépticos.
E recordamo-nos do abuso de medicamentos sedativos, nomeadamente
de barbitúricos, benzodiazepinicos e de opiáceos / opióides.
Nos últimos anos
Nos últimos anos, constata-se um importante crescimento no mercado negro, uma intensa oferta de
medicamentos benzodiazepinicos e nomeadamente midazolam e de medicamentos
opioides, sobretudo de metadona e de buprenorfina.
E como é sabido, para ter acesso a estes medicamentos em Portugal, há que cmprir com procedimentos técnicos e legais. Assim é exigida para
acesso a metadona a inscrição num serviço do Estado Português ou num serviço associado e
controlado pelo Estado Portuguêse, no caso da buprenorfina é exigida uma receita médica informatizada.
Contudo a receita informatizada actualmente em vigor, se for bem fotocopiada, pode contribuir para a multipla aquisição de medicamentos.
Em alternativa a esta receita informatizada, mantem-se em uso anterior receita médica especial, feita em triplicado, com identificação do médico prescritor, a identificação completa, número do Bilhete de Identidade e residencia do doente a quem se destina o medicamento e a identificação de quem compra o medicamento na farmácia.
Assim sendo, é fácil o controlo de quem tem acesso a estes
medicamentos, de quem os prescreve e da pessoa a quem são prescritos.
Mas, se o mercado negro
está abastecido é porque existem fornecedores que lá fazem chegar o que
conseguem, muitos dos quais podem ser identificados, assim haja vontade.
Ignorância, laxismo, ou má
vontade
De entre os muitos riscos para a saúde, provocados pelo mau uso
de medicamentos, podemos destacar os riscos inerentes ao uso por via
injectável, de medicamentos preparados para absorção por via oral, comprimidos
ou líquido.
A humildade de aprender com os erros de outros, pode permitir
construir entre nós, uma estratégia que impeça a repetição de asneiras.
Como é sabido, na preparação de muitos medicamentos são utilizadas
outras substâncias activas e substâncias inertes.
Na preparação de medicamentos em comprimidos destinados a serem absorvidos pelo tubo digestivo, é prática frequente a junção de amido e de outros excipientes, incluindo o talco.
Injectar um medicamento preparado para absorção oral, isto é,
injectar o soluto de um comprimido esmagado, pode provocar, entre outras
consequências um abcesso no local onde injecta, ou uma infecção sistémica,
septicemia e até uma hepatite medicamentosa.
O amido e o talco de um comprimido, ao serem injectados para a corrente sanguínea, podem dificultar ou bloquear a circulação.
O talco é um mineral, silicato de magnésio, praticamente insolúvel em água. Apresenta-se puro, associado a amianto ou a sílica.
Existe nos comprimidos de muitos medicamentos, alguns dos quais são bem conhecidos: oxicodona, dihidrohergotamina, pentazocina, furosemida, metilfenidato, sulfato de morfina de libertação prolongada e ainda medicamenteos vasodilatadores das coronárias, dipiridamol, midazolan (Dormicum®), haloperidol, furosemida, piracetam e alguns genéricos de buprenorfina.
O tratamento com comprimidos de buprenorfina para uso sublingual, tecnicamente não pode ser desviado para uso IV, nem mesmo para "desenrascar".
O bom uso do medicamento opioide buprenorfina sub lingual, como tratamento de manutenção opióide, deve ser compreendido como um tratamento de manutenção de longo prazo, utilizando
apenas e sempre a via sublingual.
Este tratamento deve sempre ser acompanhado de tratamento
psicossocial regular, para que se vejam e sintam as mudanças para melhor.
Devido ao mau uso de comprimidos, constata-se cada vez
mais que estão descritas graves lesões, especificamente atribuídas ao talco que
é injectado ou inalado pelos doentes ao fazerem mau uso de comprimidos que contêm
talco.
Dos danos provocados pelo consumo de mau uso de
comprimidos contendo talco destacam-se: embolia pelo talco, abcessos, necrose cutânea, pneumopatia,
embolia pulmonar, enfarto pulmonar, abcesso pulmonar, granulomas, enfisema
pulmonar, talcose pulmonar.
Atendendo aos factos e ao que nos é transmitido por colegas de outros países onde há doentes que injectam comprimidos e pelos colegas portugueses que trabalham em locais onde se constata nomeadamente o mau uso de buprenorfina e de midazolam, há que partilhar a informação.
Importa controlar a acessibilidade a comprimidos de medicamentos contendo talco e amido, para pessoas que estejam numa situação de fragilidade ante a possibilidade de os usarem mal, por via IV.
Há que assumir frontalmente a necessidade de retirar aos consumidores e aos doentes dependentes, o acesso para mau uso com esses medicamentos, para reduzir a possibilidade do consumo IV de comprimidos.
Há que assumir que a eficácia num tratamento obriga a que a qualidade e os cuidados para o doente estejam garantidos.
No tratamento em regime ambulatório de doentes dependentes de opiáceos, com indicação para tratamento com agonista opióide, temos que, responsavelmente assumir a necessidade de utilizar respostas e estratégias e medicamentos que contribuam para a redução do consumo IV, como acontece com a associação buprenorfina+naloxona.
Persistir numa atitude de ignorância é agravar mais a negra situação de quem está em situação de risco de injectar comprimidos esmagados.
Importa informar os profissionais, nomeadamente os médicos, únicos prescritores, os farmacêuticos e outros profissionais de saúde (pública ou privada), e naturalmente os doentes e suas famílias.
Se concordar, partilhe esta informação.
Saber mais, promover a
saúde
e partilhar o conhecimento que previne a doença,
contribui para melhorar a qualidade de vida de todos
Veja também
em
Medicamentos Opióides no tratamento de pessoas
doentes dependentes de heroína de
rua
ou de outros
opiáceos
Recordar para não esquecer e para que se saiba
Recordar para não esquecer e para que se saiba
DESTAQUE AO COMENTÁRIO de ...
À luz de um pequeno excerto deste "post"
que se refere á possibilidade de falsificar receitas medicas, não posso deixar
de aproveitar para relatar uma situação que occorreu comigo á relativamente 3 ou
4 semanas.
Após uma consulta onde o assunto até ja tinha sido comentado dirigi-me a uma farmacia no sentido de comprar os medicamentos que me foram receitados nessa mesma consulta. Intrigado com a questão perguntei á farmaceutica que me atendeu se de alguma forma controlavam os numeros das receitas (neste caso atraves de leitura optica)á qual obtive como resposta um categórico Não e um subsequente encolher de ombros.
Ora, posto isto, e nao sendo
propriamente um cidadão comum no que diz respeito ao conhecimento sobre
"Software´s" de Gestão Empresarial, e partindo do presuposto que a esmagadora
maioria das farmacias estão informatizadas no sentido de controlar stocks,
vendas, emitir facturas, recibos, etc etc....coloco a questão da seguinte forma
que, face á minha ignorancia sobre assuntos do foro da saude até pode ser vista
de uma forma excessivamente simplista:
1- Sendo a receita um documento
oficial e controlado pelo Ministerio da sáúde, entidade que creio ser a emissora
das mesmas, devera ter certamente atribuido um numero unico e sequencial a cada
documento;
2- Assumindo que o ponto 1 é verdadeiro, é tambem de presumir neste mundo das tecnologias que existe uma qualquer integração entre o software que reside em cada farmacia com um servidor no ministerio das finanças que por sua vez alojará uma outra qualquer aplicação de forma centralizada e que recolhe determinado tipo de informação oriunda de cada farmacia...
3 - Assumindo que
os pontos anteriores sao verdade, pergunto, não faz sentido que o/a
funcionario/a da farmacia leia esse numero de documento com o leitor de codigo
de barras e que esse numero automaticamente fique registado como ja tendo sido
processado numa farmacia algures neste pais e emita de imediato um alerta nesse
sentido???