Sobre Saúde e mau uso e
abuso de substâncias/ drogas sintéticas
Por Luís Patricio, Médico Psiquiatra
Autor do projecto pedagógico Mala da Prevenção
do Maus uso e Abuso de substâncias psicoativas
e de outros comportamentos de risco para a saúde
individual, familiar, social comunitário e ambiental
https://www.facebook.com/maladaprevencao.drluispatricio
MALA DA PREVENÇÃO http://maladaprevencao.blogspot.com
Droga Para que saiba http://drogaparaquesaiba.blogspot.com/
Colaboração especial Dr. Licínio Santos
Funchal
Há 60 anos surgiu a moda do consumo de substâncias sintéticas, estimulantes e alucinogénios.
Há 40 anos, nos EUA, houve um grande incremento na produção de mais substâncias sintéticas, “drogas de confecção ou designer drugs”, cópias de heroína, cocaína, anfetaminas e alucinogénios.
Nos últimos 20 anos tem-se mantido crescente a descoberta de novas substâncias, na ordem das várias centenas.
Eram comprados sujeitos a impostos e muitos com a sigla CE, que significa conformidade europeia, “selo europeu que indica conformidade com os padrões de saúde, segurança e proteção ambiental”.
Em Maio de 2010 o Observatório Europeu da Droga, sediado em Lisboa, OEDT, publicou um comunicado alerta sobre os efeitos deletérios de algumas destas substâncias, e informando da sua proibição no Reino Unido, na Holanda e mais restrições em outros países. Mas, em Portugal o negócio legal continuou até 2013. Foi apenas então que em Portugal, Continente e Regiões Autónomas, as lojas de venda smart drugs foram encerradas.
Durante estes anos, entre jovens e menos jovens, foi aumentando o consumo destas substâncias, muitas desconhecidas e chamadas de drogas de diversão. E, em consequência, aumentaram os danos causados por esses consumos, objecto de inesperados e múltiplos e repetidos internamentos de urgência em pediatria e serviços de adultos.
E, se, a Prevenção do consumo não tinha existido globalmente, ou se tinha falhado para quem adoeceu, também a informação actualizada e formação actualizada dos profissionais de saúde que se ocupavam destes doentes, não tinha existido ou não tinha sido feita como seria desejável. Muitos poucos profissionais tinham conhecimentos e até houve que improvisar formações.
E, sobre a qualidade/ composição, ainda hoje (2022), previamente não se sabe, na quase totalidade dos casos, o que continua a ser consumido, apesar da lei de Redução de Riscos de … 2001, permitir que haja esse conhecimento.
Se a ilegalização dessas substâncias e o encerramento das smart shops, fez diminuir muito significativamente o consumo, o uso ainda continua. Maioritariamente com aquisição por internet, mas, alegadamente, ainda em lojas de venda de outros produtos (“por baixo do balcão”, ouvi dizer). O consumo não está anulado.
As populações consumidoras das regiões da Grande Lisboa, do Grande Porto, do Algarve e e muitas cidades pelo continente, sentiram muito, nos anos da grande “oferta”, os danos provocados por estas substâncias (consumo humano). Muitos sentiram-se enganados, pensando ser inócuo o que era vendido legalmente. E nem os profissionais haviam sido devidamente preparados para ajudar esses doentes. E, alegadamente, não se ficou a saber tudo sobre o que aconteceu a consumidores doentes, sucesso ou insucesso dos tratamentos.
Conheci consumidores doentes com gravíssimas situações de vivencias de ilusões, alucinações, delírios, angustia, autoagressão e hétero agressão, etc.
Nesses anos, mercê do que anteriormente tínhamos aprendido com colegas no estrangeiro e com os doentes que nos procuraram, e como formador em Drogas Sintéticas na Comunidade Andina de Nações/América Latina (Dr. Luis Patrício Consultor responsable de la ejecución del curso - Proyecto DROSICAN), pudemos colaborar com alguns colegas que, da região de Lisboa ou de outras regiões, pediram colaboração no tratamento, sobretudo de consumidores de Bloom, mefedrona, mas, não só. E a colaboração e partilha continua a acontecer, naturalmente e regularmente, com colegas que trabalham no Continente e nas Regiões Autónomas.
A produção continua
Sempre se criam e recriam substâncias sintéticas: estão identificadas largas centenas de substâncias sintéticas e, muitas estão por identificar. Especificamente sobre o Bombe, dos colegas (por mim) contactados de norte a sul, não há conhecimento do uso desta substância. E eu também não tenho.
Sobre a Flakka, alguns colegas (contactados) apenas ouviram falar. Mas, é na Madeira que este consumo existe de forma explicita e a fazer adoecer consumidores.
E, em Portugal, o colega Médico Psiquiatra que tem tratado mais doentes, que tem mais experiência clínica com doentes e muito saber sobre as novas substâncias, é o Dr. Licínio Santos, do Funchal.
Desde há muitos anos temos feito trabalho de partilha, reflexões e publicações em conjunto, em Portugal e fora do país. Por estas razões pedi ao Dr. Licínio, uma vez mais, que me enviasse o seu testemunho, para benefício de quem não sabe e deseja saber.
O consumo de Substâncias Psicoativas de Síntese na Madeira recai em duas categorias:
1. Canabinoides sintéticos cujo nomes de rua são Gorby, maligna e Fidel
2. Catinonas cujo nomes de rua são bloom (mefedrona) e Flakka (alfa-PVP)
Em relação a estes últimos, surgem na rua em embalagens improvisadas (enrolado em pequenos pedaços de plástico, pequenos pedaços de palhinha fechados com recurso ao calor).
O aspecto destas substâncias são tipo cristais ligeiramente translúcido como se fosse sal grosso, em oposição à mefedrona que é um pó branco ou ligeiramente rosado.
A via de consumo mais usual no momento é fumada - na prata, no cachimbo de água, misturado com tabaco de enrolar; mas também é consumido via endovenosa, snifado e, em casos raros, misturado com comida ou bebida (este pouco comum por causa do início de ação mais retardado e mais difícil controlar dose de consumo).
Os utilizadores recorrem a esta substâncias por causa do efeito euforia, energia, sentimento de grandiosidade e maior estado de alerta. Contudo ao fim de algum tempo de uso, doses consumidas, o uso serve para aliviar um sentimento interno de compulsão para consumir ou minimizar sintomas de mal-estar resultante do consumo mais ou menos prolongado.
Como consequência do uso destas substâncias temos utilizadores que se apresentam, extremamente emagrecidos, aspecto muito descuidado e negligenciado, sequelas do uso endovenoso, cicatrizes ou abcessos nos locais de punção, nos braços entre outros, marcada inquietação com incapacidade de permanecer sem movimento dos membros.
Do ponto de vista psiquiátrico, os internamentos são a regra, com número elevado à luz da lei de saúde mental por presença de alteração marcada do pensamento e senso percepção. Apresentam ideação delirante de autorreferencia e persecutória ou mais raramente, ideação delirante dermatozoica - Síndroma de Ekbom. A actividade alucinatória é habitualmente auditivo verbal. Vozes comentadoras, que estão associadas ao conteúdo delirante e que “informam e dão ordens” ao utilizador destas substâncias.
Estes quadros clínicos podem ser de curta duração, horas a dias, ou mais frequentemente semanas ou meses. O desaparecimento destas queixas ocorre nas situações em que há evicção total no uso da substância, mas também em que se submete a um tratamento rigoroso com medicamentos psicotrópicos.
A recaída e reinternamento faz parte da realidade dos consumidores.
Do ponto de vista social, laboral e familiar, a desorganização é norma com muitos dos consumidores a viverem em situação de sem abrigo.
Dos que integram um projeto terapêutico com evicção mantida no consumo destas substâncias, é necessário manter tratamento, por anos, com antipsicóticos e psicoterapia.
Verificam-se frequentemente alternância nas substâncias de consumo. O policonsumo é a realidade mais comum, associando-se o uso de álcool, tabaco, cannabis, benzodiazepinas e heroína de rua.
Licínio Santos
Se, o número de substâncias sintéticas está sempre a crescer, as listas reconhecidas e identificadas com substâncias danosas estão sempre a crescer e a ser alteradas, com maior ou menor atraso. A celeridade da inclusão na lista de substâncias proibidas depende de cada estado.
Foi exemplo significativo o caso da mefedrona, que foi ilegalizada em alguns estados de EU em 2010 e em Portugal em 2013.
Sobre Prevenção, mais do que apostar ou fazer propaganda, importa trabalhar perante a realidade e fora dos gabinetes.
Profissionais da Saúde, da Educação, Famílias, organizações da comunidade, autoridades, políticos e decisores, têm que assumir conhecimentos, responsabilidades, para que se realizem as mudanças necessárias.
Mais do mesmo resulta no mesmo, nisto: aumento do consumismo.
Para trabalhar mais na Prevenção, é preciso fazer diferente do que tem sido feito: importa trabalhar mais na Educação e Promoção da Saúde e bem-estar e (precocemente), desde tenra idade. Há que preparar as pessoas para se defenderem da sedução do consumismo.
Repare-se na banalização de consumos de risco para a saúde e bem-estar, no consumismo, e abuso de comportamentos de risco adictivo (com e sem substâncias legais e ilegais), visível em jovens nascidos neste século e… nos seus pais.
A “oferta” legal ou ilegal é aberta, muito acessível na cidade e no campo, no continente e nas ilhas e a internet e as entregas ao domicílio são uma realidade.
Jovens ou adultos pouco acompanhados, isolados, pouco educados, estão mais fragilizados face ao uso de comportamentos de risco e consequente consumismo.
A ignorância é grande. E, sendo grande, mais favorece o risco quando a oferta também é grande.
Conheci consumidores que adoeceram gravemente pelo uso de Bloom, comprado legalmente e tido como sendo cocaína sintética, cocaína dos pobres.
Smart Drugs Addition. Portugal. Crítica Social aos 15 meses de tratamento. Março 2014. https://www.youtube.com/watch?v=upwMLArSxUc
Conheci consumidores que adoeceram gravemente pelo uso de incensos, tido como sendo canábis sintética, canábis dos pobres.
Parece ERVA, mas uma droga... Consumir aos 50 e às cegas sintéticas desconhecidas https://www.youtube.com/watch?v=NwjfgIfvxtM&t=20s
Tudo isto num mundo comercial pouco sério ou vigarista com interesses geopolíticos económicos em detrimento dos interesses sanitários e sociais.
Drogas Sintéticas Synthetic Drugs Portugal Sabe O se consome Mefedrona Mephedrone https://www.youtube.com/watch?v=ZnBOFXhHXJo&t=5s
Drogas Sinteticas Portugal Novedad o Trampa 2010 https://www.youtube.com/watch?v=1VKjoapEgM4&t=341s
NEW synthetic drugs NEW challenges 3 years FREE trade FREE consumption in Portugal https://www.youtube.com/watch?v=ZBYs2fGGWik&t=304s
Relembro aqui alguns exemplos, alegadamente ocorrendo em Portugal.
Reconheça-se como se mantém a acessibilidade ao uso de álcool, até a sua beatificação, promoção de consumo e abuso, sem explicar o que é moderação, sem informação escrita mais completa nas embalagens, como acontece em outros países.
Veja-se como se faz a procura para inocentar, beatificar o consumo de cocaína. Veja-se como, sendo ilegal, é consumido em estabelecimentos de diversão / restauração.
Reconheça-se a dimensão da intensa ignorância sobre os riscos para o consumidor, da associação destas duas substâncias.
Reconheça-se a dimensão do mau uso e abuso de medicamentos psicoactivos e o mercado sem receita médica de medicamentos subsidiados pelo SNS.
Reconheça-se o mercado do consumo ignorante da qualidade de canabis e seus derivados e, do consumo de substâncias sem garantia de qualidade adquiridas por internet e entregues em qualquer lugar.
Vejam-se os interesses geopolíticos económicos relacionados com os múltiplos comércios e indústrias do entretenimento associado ao uso de substâncias legais e ilegais e, a outros comportamentos de risco adicitvo sem substâncias: jogo, écrans, sexo, compras, etc.
Onde não haja Educação para a Saúde e Bem-estar não se valoriza a Prevenção.
Quais os exemplos dos educadores, os dos formadores?
O que receberam para poder partilhar com crianças, jovens, adultos e seniores?
Perante um insucesso há que ter a coragem de mudar.
Os responsáveis e os intervenientes têm de ser pessoas com boas competências humanas e competências técnicas adquiridas.
Tudo piora quando são pessoas com desconhecimentos do saber, incompetência e características de subserviência para agradar a qualquer poder, local, regional, nacional ou internacional.
Importa manter o que está bem e mudar o que esteja mal. Mais do mesmo é igual. E se não está bem continua mal.
Agradecimento ao Dr. Licínio Santos e aos colegas que do Norte ao Algarve puderam responder às perguntas que lhes formulei sobre o uso local de
Flakka e Bombe.
Aqui pode ler a noticia que a Jornalista Rute Coelho, do jornal NOVO Semanário, publicou a 11 de Março 2022, e para a qual contribuímos com este trabalho.
Bem-haja Jornalista Rute Coelho pelo convite e estímulo à reflexão.
E agradeço a quem visita este blog e as outras publicações que fazemos.
Luís Duarte Patricio
Autor do projecto pedagógico Mala da Prevenção do Mau Uso e
Abuso de Substâncias Psicoativas
e de outros comportamentos de risco para a saúde individual, familiar, social comunitário e ambiental
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