Casos de droga aumentam 70% em dez anos
Notícia do jornal Expresso
Foram-me colocadas algumas questões pela
jornalista, profissional da comunicação social.
É aqui, neste blog, que pode ler na íntegra
o texto que enviei,
e que traduz o que escrevi, a verdade do que vejo e penso.
Certamente que critérios
editoriais, permitiram apenas transcrever algumas ideias.
Aqui escrevo tudo, para que algum interessado possa ter acesso à
totalidade da minha participação, feita com base na realidade do que vejo, e oiço dos meus doentes e familiares.
As perguntas do e-mail que recebi da jornalista Joana Bastos 10 de Outubro de 2013 às 15:20, e o que respondi cerca 2h depois, escrevendo entre duas consultas.
- por via da crise e do agravamento das condições de vida das pessoas (desemprego, dificuldades económicas..), nota alguma alteração no consumo de drogas? Há um aumento do consumo de drogas como a heroína e o álcool?
- os números do SICAD indicam um aumento para o triplo de heroinómanos em recuperação (que já não consumiam há alguns anos) e que voltaram no ano passado e este ano a ser readmitidos nos centros de tratamento por recaídas. Como interpreta este facto?
Acrescente qualquer informação que lhe pareça relevante. Agradeço uma resposta com a maior urgência, visto que o artigo tem de estar fechado hoje.
Texto publicado no jornal
As minhas respostas
No ano de 2012 notei manifestamente que as
dificuldades aumentavam em quem se queria tratar.
Tive doentes que deixaram de ir às consultas por falta
de dinheiro para transportes, doentes que reduziam a toma de medicamentos por
falta de dinheiro para tomar as quantidades prescritas e havia doentes que iam
às consultas de transporte público mas sem bilhete e também outros que
iam a pé percorrendo distâncias significativas. (Alcântara Av Brasil, ou
Calhariz de Benfica Av Brasil. Estes doentes eram por mim tratados na UD Centro
das Taipas. Deixei de lá trabalhar em Jan 2013.
Até Abril de 2013, foi escandalosa a progressão do
consumo de substâncias sintéticas comercializadas em lojas legalizadas, ou
através da Internet. Foi patética a situação ocorrida e muito graves as
consequências dessa experiência libertária ocorrida em Portugal. De 2010 a 2013
a venda foi livre para produtos de composição química não clarificada,
substancias psicoactivas sem garantia nem controlo de qualidade,
negociadas como se fossem o que não eram. Ainda hoje quem trabalha em saúde
mental, com consumidores destes produtos, sabe bem os danos causados. E
naturalmente as famílias dos doentes e os consumidores que adoeceram, sabem o
que se passou, e ainda passa...
Além do mais houve consumidores cujas mortes foram
associados ao uso destes produtos.
E também é um escândalo o que não se fez em Portugal,
nomeadamente pelo facto de o Observatório Europeu OEDT, sediado em Lisboa ter
alertado para este "fenómeno" em 2010 e termos demorado tanto tempo a
reagir. A demora, certamente que contribuiu para que o consumo e fidelização de
consumidores (até de menores de idade) aumentasse.
No ano de 2013, noto a continuação do consumo abusivo
de álcool feito por adultos e escandalosa progressão no consumo na via
publica por jovens muitos dos quais menores de idade, realidade que se constata
de forma crescente em Portugal desde início deste século.
Na verdade, no que constato, desde há mais de 10
anos, é manifesto o crescimento do uso e abuso de álcool e
com manifesta e insuficiente intervenção educativa e preventiva do mau uso. E igualmente é inegável a banalização do consumo
de haxixe e de erva que corresponde, naturalmente ao significativo aumento da
oferta/disponibilidade.
Este aumento não é de agora. E, entre muitas pessoas,
consumidores e não consumidores, existe e aumenta uma representação de que em
Portugal é legal a posse de algumas quantidades de substancias que são
ilegais...
Nestes anos, de 2009 a 2012 também tenho constatado o
aumento no consumo de cocaína (novos e velhos consumidores de substancias
ilegais e de álcool e tabaco). Seja em privado, nas discotecas, nos WC de
bares, seja nas calçadas, escadas ou ruelas, quem desejar saber, pode ir ver
consumidores de cocaína ou de base/crack.
Mas já não é tão evidente o consumo por via
intravenosa, nem de cocaína nem de heroína.
E quanto ao consumo de heroína, não constato aumento
de novos consumidores. Mas há sim algumas situações de recaídas em heroína,
relacionadas com:
- o abandono do tratamento
- o consumo aumentado de cocaína que é seguido
pelo uso de heroína para baixar
- o tratamento medicamentoso com insuficiente
dose (nomeadamente metadona ou buprenorfina), situação que acontece por varias
razões, mas sempre, repito sempre inaceitáveis.
- os números do SICAD indicam um
aumento para o triplo de heroinómanos em recuperação (que já não consumiam há
alguns anos) e que voltaram no ano passado e este ano a ser readmitidos nos
centros de tratamento por recaídas. Como interpreta este facto?
Não confirmo.
Reconheço que há recaídas, e que o abandono do
tratamento feito pela pessoa doente, que a alta precoce, ou que a insuficiência
da dose de tratamento, são factores de recaída.
Em tempo de dificuldade financeira, quem não
tiver dinheiro e insistir no consumo, terá que usar produtos mais baratos.
…
Constato
que, nesta situação de crise, há doentes que adoeceram por razões directamente
relacionadas com a sua situação de vida laboral dificultada, com seu o desemprego,
com o seu sofrimento financeiro familiar, com as carências várias reflectidas
na família, com as dificuldades no ensino. É uma constatação o aumento de
doentes com perturbações da ansiedade e perturbações do humor/depressão.
E constato
que mercê de dificuldades financeiras, há doentes que:
- abandonam
o tratamento:
- vêm menos
vezes às consultas, por falta de dinheiro para transporte ou para pagamento de
consulta;
- na
consulta pedem medicação para mais tempo;
- pedem que
receite menos medicamentos:
- pedem que
receite apenas medicamentos genéricos
- pedem
renovação do receituário, mas sem ter consulta:
- levam a
receita médica mas não compram todos os medicamentos, fazendo por si a selecção
do(s) que lhe(s) parece(m) mais necessário(s).
- levam a
receita médica, mas não compram os medicamentos.
Naturalmente
que estes comportamentos não são apenas de doentes com patologia aditiva.
Trata-se de respostas comuns em bastantes doentes com depressão e outras
patologias.
Fui co
fundador do Centro das Taipas e director até 2008. Saí por… minha
decisão.
Dois anos
depois voltei a lá trabalhar como voluntário, o que me foi permitido até Dez
2012.
Mas continuo
a trabalhar em Saúde Mental e nomeadamente em Aditologia e Patologia Dual. Trabalho
actualmente na Unidade de Aditologia e Patologia Dual da Casa de Saúde de
Carnaxide.
Pode-se ler
o que faço nos blogs que escrevo
Videos em
http://www.youtube.com/user/psimedicina?feature=watch
A si visitante do blog, muito agradeço a sua visita
Recuse deixar de pensar.
"Não há machado que corte..."
Nunca deixe de usar a sua liberdade
Luís Duarte Patrício
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