quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

ADIÇÕES e SAÚDE MENTAL

Há homens grandes e HOMENS capazes de grandes ATITUDES.

Há MÉDICOS que são muitíssimo mais do que técnicos licenciados em Medicina.
Há MÉDICOS grandes para servir os seus doentes, HOMENS que neles confiam.

Este texto não é para dar graxa a alguém. Também não é para ironizar, até porque os Homens não são todos iguais.

Este texto apenas descreve uma realidade que, situada em devido tempo, ajuda a perceber que na droga nem todos são iguais, nem tecnicamente estudiosos das mesmas preocupações, nem praticantes da mesma ética face ao doente e face à comunidade cientifica e à comunidade social.

Homenageio o Dr. Reis Marques

Este texto surgiu apenas e tão só, porque há muitos anos, quando ainda não era nada fácil, nem "prestigiante", reconhecer na Saúde Mental a realidade da toxicodependência, o MÉDICO psiquiatra Dr. Reis Marques, entendeu que era necessário reflectir mais sobre o que muitos ainda negavam: Toxicodependência e Saúde Mental. 
O Dr Reis Marques era então Presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos.

Este convite que me foi feito, para colaborar na Revista da Ordem dos Médicos, seguiu-se a um anterior equívoco[1]Desta vez a reflexão seria sobre uma realidade que então ainda não era assumida por muitos profissionais de saúde: Toxicodependência e Saúde mental.
E este texto foi mesmo publicado.

Outrora “a Droga”, uma ameaça nova, não era preocupação da área da saúde, não cuidada pela saúde, nem mesmo pela saúde mental. 

As primeiras respostas oficiais, no estrangeiro e também em Portugal, foram das forças da repressão.  E os poucos profissionais de Saúde que nos anos 60 a 80 do século passado, no estrangeiro e depois em Portugal, ousavam ajudar “drogados”, não eram bem vistos por muitos dos seus pares. Essa actividade clínica não era bem vista, não era um trabalho respeitado. 
Se desbravar caminho cria incómodos, ser pioneiro cria invejas.

Também é verdade que no estrangeiro e depois em Portugal, o oportunismo de comerciantes e até a farsa face às “curas”, não era coisa rara. Ainda hoje os cidadãos ignorantes ou descuidados, correm o risco de ser manipulados ou até enganados.

Em Portugal, foi uma revolução o envolvimento do Ministério da Saúde assumindo o tratamento de doentes toxicodependentes.
Estávamos em 1987 quando foi criado o Centro que se viria a chamar das Taipas (por se localizar na rua das Taipas), que tanto fez, que tanto ajudou tantos doentes e profissionais e que tanto incomodou.
Um dia escreverei muito sobre este projecto, para o qual fui convidado pelo Dr. Nuno Miguel, em que tanto me envolvi empenhadamente durante 21 anos em que fui responsável. Dez anos antes tinham sido criados no Ministério da Justiça três Centro de Estudo e Profilaxia da Droga (CEPD). E ainda antes, em 1973, o Prof Dias Cordeiro abriu no Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria a primeira consulta para Adolescentes e Toxicodependentes.

Droga e Saúde foi um assunto que só lentamente, gradualmente, foi sendo assumido publicamente, mesmo pelos profissionais de Saúde Mental. Em privado o assunto tinha e tem outros contornos.

Quanto à formação de profissionais... nem todas as Faculdades de Medicina faziam formação de alunos em patologia aditiva. 

Foi a partir da década de 80, que foi sendo feito um grande investimento para que os Médicos de Família alargassem os seus conhecimentos e assim pudessem melhor tratar os seus doentes toxicodependentes. Destaque para o Instituto de Clínica Geral da Zona Sul e Ilhas que se envolveu de forma manifesta e mais tarde para a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) que também foi criando oportunidades para formação. (Exemplar foi o Dr ADELINO DIAS, médico de Medicina Geral e Familiar, competente, dedicado e amigo.  . https://www.youtube.com/watch?v=YtbqQEnyhTI

Também nos envolvemos bastante pessoalmente e de 1998 a 2000, também através da Associação Nacional de Intervenientes em Toxicodependência (ANIT) e da Associação Toxicomanies Europe Échanges Études (T3E), na formação e mobilização de algumas dezenas de médicos de Clínica Geral, pelo país. Mas também muitos médicos do Internato de Psiquiatria, internos de psiquiatria e de pedopsiquiatria, se interessaram, muitos dos quais assumiram uma nova forma de cuidar de doentes com patologias aditivas.
Foi um trabalho, muitas vezes desejado, outras vezes tolerado e também ouve quem não aceitasse, acontecendo até, nos anos oitenta, jovens médicos fazerem formação "às escondidas" das suas chefias em saúde mental.

Receber o apoio e estímulo do Dr. Reis Marques para publicar na Revista da Ordem dos Médicos foi, em minha opinião, uma atitude que muito contribuiu para que, quem não aceitava "pensar a droga", repensasse a atitude.

Consumir substâncias psicoactivas, legais ou ilegais é um comportamento de risco. Ficar dependente é uma consequência, um dano, uma sequela. 

São muitos os comportamentos de risco, com e sem uso de substâncias psicoactivas, que podem provocar danos. A dependência pode ser um desses danos.
Uma dependência patológica é consequência do consumo que fez adoecer o consumidor e que faz sofrer quem com ele esteja. O dependente deve ser ajudado a tratar a dependência e os restantes sofrimentos que estejam associados ao consumo, prévios, concomitantes ou posteriores.


Obrigado Dr. Reis Marques por ter ajudado a lançar a reflexão.


Passaram 16 anos e, infelizmente, ainda não temos as respostas necessárias na Saúde Mental e nos Cuidados Primários de Saúde a nível local, para responder às necessidades dos doentes e de suas famílias.

Mas temos esperança, porque, mesmo contra muitos interesses e medos, a ciência sempre avança.

Repito que há HOMENS capazes de ATITUDES GRANDES.

Há MÉDICOS que são muitíssimo mais do que técnicos licenciados









[1] A primeira, ocorrida anos antes a pedido de uma colega e feita em tempo record não terá passado nos critérios editoriais desse tempo e abortou. Na verdade, depois de um dia de trabalho ate às 22h seguiu-se uma noitada de mais 7 horas para corresponder ao convite/pedido de colega e jornalista.
Mas se desse trabalho nada foi publicado, no mesmo espaço outras vozes foram relatadas. Fruta da época em que, em Portugal, a então nova e progressista resposta face à droga, no âmbito da saúde, incomodava quem não concordava, nomeadamente cidadãos estabelecidos, estagnados ou até, com inveja.