O
consumo de droga em Portugal. | 19 Abr, 2018
ANTENA ABERTA RTP Antena 1
Programa de 19 Abril 2018
Directo do Jornalista António Jorge com Luís Patrício. Diálogo
REAL
Dito e DIFUNDIDO em DIRECTO. Gravado e a qui transcrito. Aqui fica para que se saiba.
Destaques e texto por Luís Patricio
Jornalista António Jorge - Bom dia dr. Luís Patrício.
Obrigado por estar connosco. O senhor, enfim, foi o fundador do CAT das Taipas,
não é?
Luís Patrício - Um dos fundadores
AJ - Um dos fundadores, deixou esta unidade em 2008
LP - Bati com a porta. Exacto.
AJ - Continua a trabalhar com toxicodependentes,
profundos. Dirige agora, julgo que no sector privado uma unidade de aditologa e
patologia dual. Portanto continua muito por dentro destas questões e de resto
foi um dos homens que esteve também na equipa técnica que tentou desenhar estas
salas de consumo assistido, que finalmente vão ser criadas em Lisboa.
E digo finalmente
dr prof Luis Patricio para perceber uma
coisa: demoramos tempo demais, ou seja entre a legislação que data de 2001 e
até 2019 na pior das hipóteses, 17 anos é tempo demais para serem criadas as
primeiras salas de “chuto” em Portugal?
LP - É uma vergonha
Ajudei a fazer a Lei. O Dr. Vitalino Canas convidou-me
para apresentar o projecto da lei. Eu disse que do ponto de vista técnico que o
faria. Juntei-me com alguns colegas e apresentámos a lei.
A lei de 2001 de
Redução de Riscos, que tem várias intervenções, que propõe várias intervenções,
entre as quais as salas de consumo, assistido, consumo recatado, fixas e móveis.
Bom. Dezoito anos depois, isto não é atraso, é uma vergonha, é uma miséria.
E há aqui um paradoxo que vale a pena tentar perceber. Se
não existiam é porque a lei não faria sentido. Agora de repente vêm três. Porquê
três de repente? Bom.
Obviamente que eu sou a favor das salas de consumo. Mas
temos que ter aqui algumas precauções.
Por exemplo. Em Paris, quando abriram a Sala, junto da
Gare do Norte, que é anexa a um hospital, os colegas que dirigem, o grupo que
dirigiu esse trabalho, teve negociações com os vizinhos, com a entourage local, que foram arrastadas
mais de um ano.
Eu pergunto: isto está a ser salvaguardado? Em 3 locais ao
mesmo tempo? Está a ser salvaguardado? Bom, outra questão
AJ - Deixe-me sublinhar esse aspecto. Peço-lhe para
repetir. Qual é a sua dúvida em relação ao que está a ser..
LP - A instalação de um instrumento destes de intervenção
social, levanta questões sociais significativas. Eu recordo-me de em 2001, na
altura em que foi feita a grande intervenção no Casal Ventoso, haver um político,
o dr. Portas que dizia, nunca haverá aqui uma sala de consumo. Enfim, fiquei
muito triste de ouvir aquilo e felizmente que isso foi esquecido.
Mas a questão… Que negociação foi feita com os vizinhos,
com os habitantes do bairro, com as pessoas que frequentam aquelas zonas, para
a instalação das salas de consumo?
Identificaram 3 locais. Muito bem. E agora eu pergunto: de
facto tem sido feito o trabalho de retaguarda para que isto possa ter sucesso?
Pergunto: as equipas de rua tem formação para fazer esse tipo de trabalho? Quem
fez, quando fez e de que maneira?
Porque em Portugal não há especialistas em droga. Quando
se diz é especialista em toxicodependência, é mentira, não há. Há pessoas que
se dedicam, há pessoas que trabalham, umas sabem mais outras sabem menos, mas
credenciado não há.
E quando não há credenciados, aquilo que fazem os poderes,
os governos, enfim, as autarquias, nomeiam os peritos.
Portanto o perito ás
vezes é um primo, é um amigo, um interessado, uma pessoa de bom coração, mas
aqui temos que exigir competência…..
Outra dúvida que tem que se perguntar é assim: estão
identificadas 1400 pessoas que fazem consumos de alto risco, na rua. E eu aqui
convido (passe a publicidade) vão ao youtube, escrevam dr Luís Patrício Mala da
Prevenção ou psimedicina (https://www.youtube.com/user/psimedicina ) e vêm imagens de Lisboa, da grande Lisboa, não é só o
centro da cidade, da grande Lisboa, denunciando aquilo que, a boa imprensa tem escondido ao longo
destes anos todos e que agora começa a aparecer.
Portanto a droga em Portugal está podre
Portanto e agora de repente vamos criar três estruturas
AJ - Desculpe, desculpe. A droga em Portugal está podre, o
que é que isso quer dizer?
LP - Quer dizer que há muita coisa que se não diz que existe, mas existe.
Se for, se levar o seu microfone aos locais de consumo
onde agora vão fazer as salas e perguntar há quantos anos estamos nisto,
percebemos que a estrutura está podre.
E estas pessoas, mais grave ainda, parte destas pessoas, frequentaram
ou frequentam ainda irregularmente os serviços do Ministério da Saúde, os Cat as
ET. Então eu pergunto assim: que qualidade de serviço é que tem sido feito para
conseguir recaptar as pessoas para processo terapêutico?
E aqui com uma dificuldade: trabalhar na rua (e está aí
uma senhora assistente social da rua e sabe bem o que é que eu estou a dizer),
trabalhar na rua é muito mais difícil. As pessoas têm que ter muito mais
competência, mais exigência, mais experiência, para trabalhar junto de pessoas
que não têm motivação para se tratar. Ora bom, se eu puser na rua pessoas de
boa vontade chamados maçaricos, o que é que eu estou a fazer? Posso estar a despejar
preservativos…
Vou-lhe dar outra coisa que está podre, por hipótese. Outro
dia fui com uma assistente social, para uma das zonas do Casal Ventoso. E numa
hora, eu e ela, sentados no chão, de cócoras, apanhamos 500 preservativos. E
num bocadinho, os dois. Ora bom, o que é que isto quer dizer?
Que a
distribuição de material, que é importantíssimo que exista, e existe, tem que
ser feita, de uma forma que não esteja a dar a quem não precisa, aquilo que ele
não vai usar. Preservativos por utilizar.
(https://www.facebook.com/maladaprevencao.drluispatricio/photos/a.1489803887983698.1073741826.1489803757983711/1571094779854608/?type=3&theater)
Eu levei estes preservativos à
Assembleia da Republica numa sessão que o Bloco de esquerda me convidou,
espalhei no chão, espalhei na Assembleia Municipal em Lisboa.
( https://www.youtube.com/watch?v=JgYRU_ptXVU)
Eu tento provocar
para que se veja o que é que é necessário limar daquilo que se faz de conta que
se faz bem e de facto não se está a fazer bem.
Isto tem que ser dito.
Dou-lhe outra noção: há pessoas que injectam comprimidos
de Dormicum, Midazolam, medicamento (e ao fazer isso estão a agravar ainda mais
a sua situação) que se vendem a 1 euro.
Continua sem estar na lei a limitação
ao acesso deste medicamento objecto de abuso. Há anos que andamos a falar nisto.
Portanto eu digo…
( https://www.facebook.com/maladaprevencao.drluispatricio/photos/a.1489803887983698.1073741826.1489803757983711/1689374801359938/?type=3&theater)
AJ - E o senhor fala desse medicamento em particular
porque é esse medicamento em particular
LP - Este medicamento porque é injectado, injectado.
Existe em líquido, mas em líquido não tem problema desta forma e usa-se todos
os dias em medicina.
Injectar comprimidos é uma agressão brutal.
Em França, os
nossos colegas e os serviços de rua, têm filtros para quem faz este tipo de
consumo.
Há dois modelos de filtro.
Cá em Portugal não há.
Vou-lhe dar outro exemplo. Nos kits há um ácido que é
distribuído para as pessoas, quando consomem heroína, diluírem com ácido.
Há
embalagens de ácido, cá em Portugal, que os consumidores têm dificuldade em
abrir. Eu falo com eles. Eu vou á rua falo com eles, tenho isto filmado.
E
aquilo que é difícil é as pessoas perceberem que se não há ácido vão usar
limão. Agravam o consumo.
Portanto eu digo assim: em termos de qualidade nós
temos que fazer aqui um reset disto
tudo. E em termo de quantidade, obviamente nesta situação…
E depois há aqui mais um elemento que é complicado, porque
algumas pessoas têm medo de falar. E isto é de facto muito triste porque
profissionais competentes uns desiludidos e outros abandonados e portanto …
E depois outra questão, a mudança de geração. Há muita
gente que está, … portanto os anos passam, e pronto.
E há muitos profissionais que estão desiludidos e temos
infelizmente alguns profissionais vendidos.
E é bom dizer coisas bonitas para o poder, que fica
contente. E os poderes têm mudado e ouvem, mas nós temos que falar é da verdade
da realidade e não da verdade da conveniência.
E em Portugal tem havido, tem
havido um abuso na questão da verdade da conveniência.
E a sua primeira pergunta (não quero incomodar mais), a
sua primeira pergunta diz tudo.
Então se em 2001 foi feita uma lei, na altura uma lei
pioneira, foi feita uma lei porque havia uma necessidade mais do que manifesta,
porque é que andámos a dormir 18 anos e não foi preciso?
E agora temos que pensar outra coisa e por aqui me fico. O
sucesso feito no Casal Ventoso, provocou também uma pulverização deste tipo de
comportamentos. Bom.
E então, uma estratégia que fosse pensada com cabeça,
tronco e membros, não era para uma cidade que tem 700 mil habitantes ou pouco
mais, e para 1400 consumidores, desvalidos por assim dizer, e que boa parte deles
nós conhecemos e alguns vão morrendo (quando volto lá tenho essa surpresa), devia
ser pensada em termo da região da Grande Lisboa, da região da Grande Lisboa,
margem esquerda margem direita, margem norte, margem sul.
Estive há pouco tempo numa zona de consumo, pesada,
pesada, fora da cidade de Lisboa, já noutra autarquia, e há um consumidor que
fez um apelo (pus isto na Mala da Prevenção no Facebook) o apelo: doutor venha cá com o Presidente da República a ver se isto muda.
Portanto tem havido o viver de um sucesso, que houve de
facto, provado no que diz respeito ao controlo de patologias infeciosas, e depois
o resto que enfim…
A manta é curta, estica daqui estica dali, mas cala-te.
Vou-lhe
dizer: uma vez um colega seu, colega seu não porque o senhor é profissional com
competências… alguém me diz assim: porque não te calas? Quer dizer, há qualquer
coisa que tem que ser repensada.
Em 1986 a doutora Manuela Eanes promoveu em Portugal um
Encontro a Droga em Portugal que respostas? Foi uma pedrada no charco e a coisa
reanimou. No ano seguinte voltámos a fazer, eu ajudei, e voltámos a fazer. Mas
tem que ser feito novamente, mas falar toda a verdade e não a verdade da conveniência.
Se pegar na Lei de Redução e Riscos de 2001, há lá mais uma
serie de propostas que não são feitas. Nós temos realmente brutal aumento do
consumo de cocaína
A J - Recorde-nos essas propostas
LP - Vou dar por exemplo o Testing. E essa senhora que está aí sabe também o que eu estou a
dizer… O Testing permite que o senhor
ou eu, querendo, temos, por lei, temos acesso a identificar, a saber o que é
que estamos a consumir.
AJ - Pois que essa é uma das dificuldades também dos
nossos tempos, não é?
LP - Ora bem. Porque é que não há? Eu vou-lhe dizer. Em
2001… Eu conheço as estruturas de que falou. Todas. Em 2001 (aliás fui fundador
de uma delas e fui colaborador, ajudei, estimulei outra e por aí fora. Mas são…
as coisas mudam e as pessoas… e eu continuo caminho).
Em 2001 fiz nas docas de Lisboa (porque aprendi em França
e vou lá fora aprender muito, mesmo com os 65 anos continuo a aprender) e fiz o
Testing na rua. E havia pessoas que diziam: então você está a pegar numa coisa
ilegal, para fazer um teste de presunção. E de facto aquilo que acontecia é que
o consumidor punha à minha frente um fragmento de uma coisa que eu não sabia o
que era, supostamente seria ilegal, fazia-se o teste e depois falava-se com o
doente, com o consumidor, em termos de presunção. E depois ele decidia se
consumia o resto, (o outro bocado tinha sido queimado com ácido sulfúrico). Ele
decidia se consumia o resto, se ia vender ou se deitava fora.
Mas isto permitia
chegar ao contacto com as pessoas de uma forma muito directa.
Oiça. O ano passado, com um colega francês cheguei ao
Casal Ventoso (com os Médicos do Mundo), fazer uma formação sobre Como consumir, como injetar, ensinar a
injectar. As pessoas das equipas de rua, os que estavam diziam: estamos a
aprender isto pela primeira vez.
Quer dizer: estamos a trabalhar com pessoas
que fazem consumos de risco, de alto risco, consumo séptico e por aí fora, mas
não temos o conhecimento que seja necessário, para junto de quem precisa
podermos transmitir.
Por isso eu digo assim: então há qualquer coisa que está mal.
Na forma existe.
No conteúdo, qualidade e quantidade reticências.
Nós pagamos impostos
e não é para isto, garantidamente.
Mas eu estou fora da caixa. Mas de qualquer forma continuo
a trabalhar e pronto, quando sou chamado sou chamado…
AJ - Ponto um da intervenção de Luís Patrício, as salas de
chuto já chegam tarde, é uma vergonha. Esta solução continua a estar actual
noutras cidades do mundo?
LP – Continua a estar actual. Vou lhe dar um exemplo: em
França, só o ano passado é que as coisas começaram a ganhar uma dimensão.
Aquilo que eu pergunto se está actual é se para a cidade de Lisboa, não
devíamos pensar qualquer outra em termos da região e toda a estratégia…
Porque
há aqui um outro elemento: eu tenho uma sala de consumo e é uma perspectiva de
reduzir os riscos.
Mas depois há a perspectiva, tentar começar a trabalhar na
minimização dos danos. Isto obriga, forçosamente, a enviar para uma estrutura
de tratamento.
E esta estrutura de tratamento tem que estar acessível, portanto
não tem que haver listas de espera (como durante muitos anos não tivemos), tem
que ter pessoas com competência, tem que ter assistência médica.
Eu hoje em dia
fico envergonhado quando encontro alguém que me diz “Há seis meses que estou neste
ou naquele sitio, e não vejo médico.
Portanto anda mais de 6 meses, e alguns
mais do que isso, a tomar medicação que o psicólogo ou outro profissional lhe
leva, mas médico não.
Quer dizer: isto não é qualidade.
E por outro lado também
há quem diga “Vou lá e são consultas de 5
minutos”.
E depois vem outro profissional diz a medo: “pois aquilo despacham-se 8 numa hora, é para a
estatística”.
Oiça, isto é uma… E só para terminar. Nós construímos, estamos
a construir uma rede de intervenção que, espalhada pelo país, onde era possível
com os profissionais da saúde mental, onde não era possível porque estavam
sobrecarregados ou não queriam entrara, com os profissionais da medicina geral
e familiar e noutros sítios conseguimos fazer com os dois.
Foi criada uma rede nacional na perspectiva de, quando, em
devido tempo, as pessoas todas já com capacitação (não é especialistas), com
capacitação, passassem a ter resposta nos Centros de Saúde. Isto começou e depois
mais tarde (dois mil e tal) começou uma tentativa de ser feita e não foi bem exportada.
E agora consta que vão refazer aquilo que foi uma estrutura moribunda.
Quero eu dizer quem não estiver a viver num sitio de maior
dimensão e que tem um problema de álcool continuamos como estávamos, que tem um
problema de jogo continuamos como estávamos, que tem um problema de agora ligado
com abuso de internet e vídeo jogos continuam como estavam, um problema de
abuso de benzodiazepinas continuamos como estamos.
A cocaína hoje é banal.
(https://www.facebook.com/maladaprevencao.drluispatricio/photos/a.1489803887983698.1073741826.1489803757983711/1829652620665488/?type=3&theater)
Há que fazer uma mudança profunda na lei, em função da
canábis.
Os canabinoides são medicamentos como são os opióides e
como são outros alcaloides que são usados em Medicina e são bons, e é
importante que sejam usados.
Diferente é o consumo de canábis do ponto de vista
recreativo.
E tem que ser assumido, porque há políticos, há professores
universitários, há empregados de escritório, há desempregados…
Muita gente anda
a consumir canábis e ninguém sabe aquilo que consome.
E pagam. E não sabem o
que consomem.
Depois quando se estragam têm que vir ter com o médico e agora vai-me
ajudar. Às vezes ficamos sem saber se o estrago é do próprio produto ou se é
daquilo que lá vem misturado.
Mas é uma outra situação que tem que ser revista,
em função da evolução e, digamos, do insucesso que tem sido a prevenção.
Quando a prevenção funciona as pessoas são mais
cuidadosas,
quando não funciona não existe, cada um procura “desenrascar-se”.
E
nesse aspecto nós temos muita verdade em Portugal.
AJ – Obrigado Luís Patrício
LP - Os meus cumprimentos e muito obrigado
AJ - Enfim… Ficávamos aqui a ouvi-lo muito mais tempo e
muitos de nós de boca aberta em relação aquilo que nos disse agora aqui o
psiquiatra Luis Patrício
Comentário final neste post: Porque não somos todos farinha, nem farinha do mesmo saco, nem do mesmo tipo, aqui transcrevi o que eu disse sobre a DROGA em Portugal, para que se saiba-
Convidaram-me para falar em directo, pensei que falaria breves minutos, mas afinal, o tempo alargou, e pude dizer muito do que existe mas é negado, possibilidade que nos últimos 10 anos não tem sido nada frequente.
Obrigado Jornalista António Jorge por ter levado muito mais informação muito mais longe.
Há mais para dizer, há muito para rever para melhor fazer. Voltarei oportunamente.
Partilhar e divulgar ajuda a mudar para melhorar. Obrigado pela visita e eventual partilha. Não tenha medo.
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