segunda-feira, 11 de março de 2019

Embriaguez desde os treze anos

Aqui pode ler todas as minhas respostas a todas as perguntas da jornalista Vanda Marques.Respostas à Jornalista Vanda Marques para o seu trabalho publicado na revista Sábado https://www.sabado.pt/vida/detalhe/jovens-alcoolicos-se-nao-tivesse-bebido-ate-cair-nao-tinha-valido-a-pena?ref=SEC_Grupo2_vida&fbclid=IwAR2rCsHnSSP62QuC_Jclmk5iu4nywdowa01Gk7-4xQDL_rb0Qvw6Q9y_Dqg


Luís Patrício
Médico Psiquiatra Chefe de Serviço
psimedicina@gmail.com
Equipa de Adictologia e Patologia Dual
Clínica da Luz- Psiquiatria
Carnide – Lisboa
 Espero ser útil. Espero que possa ajudar nas mudanças, necessárias desde há muito, para Bem de Todos na Saúde individual,
familiar, social, comunitária e ambiental.




VM - Quais são as principais causas que conduzem os jovens a consumos excessivos de álcool?

LP - Em ambiente de consumismo, beber álcool em uso intensivo é para muitos jovens uma imagem de marca.
E para outros não é. Os jovens não têm todos e mesma educação para a saúde nem a mesma educação cívica, nem os mesmos comportamentos face ao consumismo.

A pressão grupal, a massificação da pressão consumista, a banalização do risco, a identificação a consumidores mediatizados que dão esses exemplos, o efeito moda, o tempo de crescer (adolescere), o facilitismo e os mitos (antigos e contemporâneos), são realidades bem conhecidas.

A ignorância fragiliza. E em 2019 há ainda quem desconheça que, por razoes de desenvolvimento humano, pelo menos antes dos 18 anos não se deve consumir bebidas com álcool, um químico neurotóxico.






 

As carências na Educação para a Saúde são uma realidade em muitas famílias, que estando mal instruídas não têm conhecimento para educar, como ensinar. Fazem e dizem como sabem, mas nem sempre com valor educativo e por vezes até com conteúdo cultural dito instrutivo, mas incorreto.

Não respeitar o tempo de criança e tratar uma criança como se fosse adulto é um erro. Pode ser cómodo e até agradável, e até divertido para alguns, mas não garante alegria e bem-estar para todos, nem coerência educativa. 

Quantos adultos, pais, avós, foram ensinados a beber, a escolher quando, como, e com que objectivo?




Carências na Educação dos consumidores, expostos ou submetidos à agressividade da publicidade comercial directa ou à eficácia da discreta publicidade boca orelha, aumentam os riscos.

Onde existir facilidade em encontrar bebidas com álcool e baixo custo ao pagar, é difícil resistir a sugestões de consumo e consequente fidelização de clientes para muitos anos. As estratégias de promoção têm objectivos e funcionam. Para quem não gosta e para que talvez venha a apreciar até é disfarçado o sabor do álcool nas bebidas reinventadas. 
As ignorâncias deixam todos os consumidores fragilizados.





Os modelos familiares desajustados na Educação de valores e na relação com o álcool, não robustecem os membros da família.

O actual consumo intensivo de álcool em jovens chegou a Portugal neste século. Em Espanha acontece desde os anos 90, vimos acontecer, mas não nos soubemos prevenir. E com mais este consumismo agravou-se uma situação que já era grave para adultos. Neste século está à vista o crescente comércio de oferta para jovens mais jovens, nas Tardes e Noites, nos mini ou Megafestivais todo o ano, e nas festas com imensos estudantes intoxicados (do secundário ao universitário), início, meio e final de ano. E nas férias de Carnaval, Pascoa ou de Verão de modelo de lazer de diversão obrigatória, abre a época da reforço para iniciação e de manutenção.

Todo este abastado consumismo é bem regado com interesses económicos sobre bebidas com álcool. E este consumismo tem sido vergonhosamente desnutrido de responsabilidades em Educação e Saúde.

Gerações jovens do passado são quem dirige na actualidade. E o presente têm conseguido o sucesso deste século na promoção do consumo. E o excesso do consumo, o consumismo de comportamentos der risco, também com álcool, corresponde a um grave desequilíbrio, indecência ou vexame na Educação para a Saúde para Prevenção de Doenças.

E a Saúde é um Bem, um Valor fundamental.

A despudorada pressão social consumista e a submissão à propaganda de velhos mitos, (ex: dá força) e de novos mitos (faz amigos) confirma a sua eficácia no aumento do consumo. Com música e álcool, está o negócio garantido, para diversão e riqueza de muitos e tristeza de bastantes.


Em situações de sofrimento, desajustamento individual, familiar, social, na exclusão, o consumo facilitado de bebidas com álcool, e o abuso (uso com dano) pode ser uma escapatória, para sair, para não sentir, mas que na realidade só agrava o que está mal.





VM - Existe uma desculpabilização social?

Existe desculpabilização e carências na responsabilidade, familiar, social, política e até nos serviços educativos e nos serviços de saúde.

O poder do dinheiro, a força da economia, corrompe e perante as realidades, impõe as suas outras verdades.

E na nossa cultura as bebidas com álcool estão na nossa pele, em cada região com as suas produções, e até nas nossas famílias. Tudo facilitado por muitos anos de laboração e de modernização dos conhecimentos.

De facto, na nossa cultura a ignorância sobre o consumo também está na nossa pele, na nossa família, embora politicamente e socialmente a ignorância não seja assumida. A modernização na partilha dos novos conhecimentos preventivos está atrasada.

Veja-se o conselho de lei para ser responsável, para beber com moderação e que até é uma elegante recomendação. Mas sem se explicar o que significa moderação, o consumidor fica sem saber. E na ignorância vigora o… Eu acho que, ou Para mim… Etc.




Se este texto vier a público, aumenta a possibilidade de, pelo menos por vergonha, esta ignorância poder mudar, terminar.

Em muitos locais de Portugal, temos desde há muitos anos, carência de competente divulgação de informação competente e ainda ausência de educação e de estratégias de “democratização pedagógica” de testes de alcoolémia, por exemplo do teste de “balão”.

E também temos tido crescente abundância de mitos, de locais de “oferta” de álcool e de consequente banalização do mau uso e abuso.


Mas estas ignorâncias têm que acabar. Temos feito por isso, temos dado o modesto contributo para isso, mais as mensagens só chegam a quem nos ouve. Aqui envio um exemplo do que, pelo menos devia acontecer entre nós.

       Figura 1 Informação Unidades de álcool UBS no Reino Unido Foto gentileza de CARLOTA 2019, para  Mala da Prevenção


VM - Há uma pressão para beber?

É óbvia directa e não inocente, imprudente e por vezes indecente. É um carnaval todo o ano.

A publicidade entra pelos olhos, pelos ouvidos, vem ter connosco. Até pelas muito eficazes imagens televisivas para promover o consumo, com pessoas de copo na mão, muitas vezes a beber de empreitada.
É mais um carnaval, rodadas e, festas todo o ano.




Num encontro, quantos de nós oferecemos uma bebida com álcool a um amigo? E água ou outra bebida? Não é fácil. Embarcamos e…
Porque é que tem que ser um copo (álcool)? Cultura e… muita ignorância também. É um acto de cultura saber beber, saber escolher, respeitar quem não bebe, respeitar-se quando se bebe. Brindar com álcool não é obrigatório. Pode ser com outra bebida ou sem bebida. É preciso mudar o culto de Brindar à Saúde pelo Brindar à Alegria, à Amizade, a outro valor, porque o álcool não garante saúde a ninguém: é um químico neurotóxico.


VM - Porque motivo os hospitais não fazem o acompanhamento dos casos de jovens que dão entrada com coma alcoólico?

Ouvindo o que nos dizem os doentes e seus familiares, percebemos que infelizmente essa realidade não será uma raridade.
Numa situação de doente comatoso, emergência (risco de vida agravado) a prioridade é salvar a vida, ou numa situação de urgência (risco de agravamento) é tratar, para evitar a emergência a curto prazo.

O excesso de consumo de álcool, intoxicação ou bebedeira, tornou-se banal em Portugal.

Admito que, mesmo onde seja banal, haja quem entenda (e mal), que seja uma situação “normal” ou até repetidamente pontual…
Onde tal aconteça há que melhorar e educar para ajudar a referenciar.
Outra questão será: referenciar para onde? Não abundam locais com equipas de saúde com prática na competência para comportamentos de risco e danos associados ao mau uso de etanol.

E na verdade as associações com outras substâncias químicas, até desconhecidas, são muito frequentes.

Cada profissional de saúde faz o que melhor é capaz. Conhecendo profissionais do terreno, não é raro ouvir dizer que não sabemos como fazer, reconhecer que não estamos preparados. Este trabalho é complexo. Em muitos abusadores de álcool, pode-se encontrar, previamente aos consumos de abuso, sofrimentos relacionados com perturbações de ansiedade, do humor, da percepção da realidade, da personalidade entre outras dificuldades, o que dificulta ainda mais os tratamentos.

VM - No caso da Paula, poderia nos dizer o que potenciou este consumo?

Com deve compreender, não especifico esta ou aquela situação.

São várias as razões que podem desencadear um consumo abusivo em quem não era consumidor ou em consumidores ocasionais, e os doentes e seus familiares falam disso.
Claro que a integração social em ambiente consumista é comum. É comum ouvir-se o Diz-me com quem andas…
Mas não é raro haver situações de muita solidão, frustração, alterações da ansiedade e do humor, conflitualidades, fome e pobrezas, etc.


  

VM - A Paula diz que “alguma coisa de errado se passava dentro de mim” para beber tanto. É comum este sentimento? Porquê?

Quem trabalha com pessoas doentes, jovens, adultos e idosos, abusadores de bebidas com álcool, não é raro perceber que os consumos são como que tentativas de alívio, de (falsa) saída para sofrimento vivido pelo consumidor. O consumo deixa de ser feito pelo prazer, para ser feito para atenuar o desprazer. É o que se passa na dependência, em que se repete mais uma vez, apenas para aliviar, ainda que temporariamente, o desprazer duma falta, da carência.













VM - Que papel têm os pais neste aumento de consumo?

Se os menores de idade consomem álcool, seus pais ou educadores, devem conversar de frente sobre o assunto e, eventualmente avaliar a situação com a enfermeira ou o médico de família.



VM - Quando se apercebem que o consumo é excessivo, o que devem fazer?
Avaliar globalmente a situação com a enfermeira ou o médico de família.



VM - Houve uma alteração no acesso ao álcool, quando se tornou legal mais cedo. Porque é que isto aconteceu? Como é permitido?

Lamentável evento ocorrido em Portugal. Foi um período de aumento de fidelização de jovens consumidores. E também de aumento de conflitualidade nas famílias onde jovens de 16 anos impunham, aos seus pais, pagantes, esse consumo porque já era legal.
Casos houve em que expliquei a pais desorientados que na sua casa eram eles que decidiam com era, e não a lei invocada pelo filho ou filha de 16 ou 17 anos.



VM - O que é mais difícil na recuperação destes jovens?

Mudar alguns hábitos gradualmente instalados
Conseguir fazer a separação e seleção, de amigos / conhecidos
Reorganizar algumas dinâmicas familiares instaladas




VM - Quais são os maiores desafios?

Conseguir uma boa adesão à estratégia proposta, a fazer com um acordo para reduzir riscos e ou para tratamento (que não é um prémio, nem um castigo, mas uma necessidade de quem está doente).
Educar para a saúde e bem-estar
Desmitificar o consumo / tratamento
Conseguir a compreensão e o apoio familiar, eventualmente comunitário
Responsabilizar e promover a abstinência ou redução de riscos em comportamentos identificados.
Promover a conquista da autonomia


VM - Que doenças são provocadas pelo consumo de álcool?
Mais de sessenta. São frequentes e pouco faladas a impotência e a demência. Delírio de ciúme e dependência também são muito negadas. Muitas desenvolvem-se lentamente.

Mas há uma que é muito frequente e de instalação muito rápida e socialmente muito promovida.  É a intoxicação aguda ou bebedeira, a única doença provocada pelo álcool que é voluntariamente desejada.

O álcool é das substâncias que mais estragos produz no bebedor excessivo, (doenças, acidentes, mortes, violências diversas em crianças, jovens, adultos e idosos), na família e na sociedade.
Pode estragar a saúde, a memória, a atenção, outras capacidades para estudo/ trabalho, afectos, sexualidade, a qualidade da sua vida psíquica, física, familiar, relacional, cívica, financeira.

As doenças relacionadas com o álcool são bem conhecidas por afectarem o bom funcionamento de muitos órgãos, coração e vasos, estomago, fígado, pâncreas, bexiga, órgãos genitais e tantos outros órgãos e sistemas e naturalmente o cérebro e também por estarem relacionadas com muitos tumores. 













VM - O facto de consumirem tão novos tem impacto no desenvolvimento do cérebro?
O etanol é neurotóxico e nada ajuda no desenvolvimento



VM - Foi noticiado que estão a aumentar os jovens que chegam às Comissões de Proteção de Crianças e Jovens por terem ou estarem expostos a comportamentos relacionados com bebidas alcoólicas que afetam o seu bem-estar e desenvolvimento?

Não sei responder sobre o que lá se passa. Mas sei que há muitos jovens a consumir substâncias que perturbam o funcionamento mental, álcool, canábis, pastilhas/sintéticas e até cocaína, e com dificuldades acrescidas com pais, a agora também com avós


VM - Muitos destes jovens, contam que no início bebiam por diversão, por estarem em grupo e depois passam a beber sozinhos, melancólicos. Porquê? Porque é que acontece esta mudança?

Quem bebe só não partilha nada. Bebendo só pode pensar controlar melhor o que faz e nem se justifica a ninguém. Se perde interesses e capacidade de socialização, ficando isolado a beber, reforça o isolamento.


VM - Uma rede de amigos consegue ajudar os jovens com estes consumos?

Com bons amigos, são melhores os envolvimentos. E, podem ser mais apoiados os crescimentos ou “renascimentos”.


VM - Porque é que os de 12 anos começam a consumir?

Por incumprimentos de adultos que deviam ser responsáveis, por faltas na educação e por acesso aos produtos de consumo. Haverá solidão?
Serão crianças de facto abandonadas na abundância material ou nas carências do essencial?



VM - O que devem fazer os pais quando os filhos de 12 ou 13 anos começam a pedir para sair à noite?

Noite aos 12 anos? Que esperam? A Noite é um enorme e por vezes agressivo negócio financeiro e também negócio cultural. Há idades para tudo. Há que saber aguardar e viver o que se tem.

Os pais não podem colocar-se como irmãos dos filhos, pais imaturos ou de adolescentes prolongados.

Pai é Pai, Mãe é Mãe. Nem são bonecos nem pessoas “baris” que se como se fossem da idade dos filhos.  Quem não educa…
Conhecidos têm os filhos muitos. Amigos têm alguns. Pais só têm aqueles.

Há pais que deseducam, que tornam os filhos agressivos, que querem fazer com que joguem numa equipa sénior quando o seu lugar é na equipa dos infantis, iniciados, juvenis ou juniores.

Importa que saibam respeitar os tempos de desenvolvimento dos filhos.
Respeitem os filhos. Dizer não também é educação.

Os negócios (alguns selvagens e enganadores) das seduções nos comportamentos de risco, mantêm enorme expansão consumista. É urgente educar face pressão das epidemias das compras, incluindo os écrans, as substâncias, o culto do imediatismo e do facilitismo, da ignorância e da superficialidade, da falta de esperança e da falta de responsabilidade. A perda de memória por “conveniência”, pode ser conveniente para curto prazo, mas não gera Educação para o futuro.

Abdicar da Educação em valores e promover a instrução em consumismo, é semear delinquência com risco de violência. É criar ditadores primeiro dentro de casa e depois na comunidade. E os cidadãos menos educados têm menos resistências e os mais ignorantes não sabem assumir responsabilidades. E os frustrados ambiciosos não reconhecem limites. São tiranetes ou tiranos. Quem não (re)conhece?


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