Embriaguez desde os treze anos
Aqui pode ler todas as minhas respostas a todas as perguntas da jornalista Vanda Marques.Respostas à Jornalista Vanda Marques para o seu trabalho publicado na revista Sábado https://www.sabado.pt/vida/detalhe/jovens-alcoolicos-se-nao-tivesse-bebido-ate-cair-nao-tinha-valido-a-pena?ref=SEC_Grupo2_vida&fbclid=IwAR2rCsHnSSP62QuC_Jclmk5iu4nywdowa01Gk7-4xQDL_rb0Qvw6Q9y_Dqg
Luís Patrício
Médico Psiquiatra Chefe de Serviço
psimedicina@gmail.com
Equipa de Adictologia e Patologia Dual
Clínica da Luz- Psiquiatria
Carnide – Lisboa
familiar, social, comunitária e ambiental.
VM - Quais são as principais causas que
conduzem os jovens a consumos excessivos de álcool?
LP - Em ambiente de consumismo, beber álcool
em uso intensivo é para muitos jovens uma imagem de marca.
E para outros não é. Os jovens não têm
todos e mesma educação para a saúde nem a mesma educação cívica, nem os mesmos comportamentos
face ao consumismo.
A pressão grupal, a massificação da
pressão consumista, a banalização do risco, a identificação a consumidores mediatizados
que dão esses exemplos, o efeito moda, o tempo de crescer (adolescere), o
facilitismo e os mitos (antigos e contemporâneos), são realidades bem conhecidas.
A ignorância fragiliza. E em 2019 há ainda
quem desconheça que, por razoes de desenvolvimento humano, pelo menos antes dos
18 anos não se deve consumir bebidas com álcool, um químico neurotóxico.
As carências na Educação para a Saúde são
uma realidade em muitas famílias, que estando mal instruídas não têm
conhecimento para educar, como ensinar. Fazem e dizem como sabem, mas nem
sempre com valor educativo e por vezes até com conteúdo cultural dito
instrutivo, mas incorreto.
Não respeitar o tempo de criança e
tratar uma criança como se fosse adulto é um erro. Pode ser cómodo e até agradável,
e até divertido para alguns, mas não garante alegria e bem-estar para todos,
nem coerência educativa.
Quantos adultos, pais, avós, foram
ensinados a beber, a escolher quando, como, e com que objectivo?
Carências na Educação dos consumidores, expostos
ou submetidos à agressividade da publicidade comercial directa ou à eficácia da
discreta publicidade boca orelha, aumentam os riscos.
Onde existir facilidade em encontrar bebidas
com álcool e baixo custo ao pagar, é difícil resistir a sugestões de consumo e
consequente fidelização de clientes para muitos anos. As estratégias de
promoção têm objectivos e funcionam. Para quem não gosta e para que talvez
venha a apreciar até é disfarçado o sabor do álcool nas bebidas reinventadas.
Os modelos familiares desajustados na
Educação de valores e na relação com o álcool, não robustecem os membros da
família.
O actual consumo intensivo de álcool em
jovens chegou a Portugal neste século. Em Espanha acontece desde os anos 90,
vimos acontecer, mas não nos soubemos prevenir. E com mais este consumismo agravou-se
uma situação que já era grave para adultos. Neste século está à vista o crescente
comércio de oferta para jovens mais jovens, nas Tardes e Noites, nos
mini ou Megafestivais todo o ano, e nas festas com imensos
estudantes intoxicados (do secundário ao universitário), início, meio e final
de ano. E nas férias de Carnaval, Pascoa ou de Verão de modelo de lazer de
diversão obrigatória, abre a época da reforço para iniciação e de manutenção.
Todo este abastado consumismo é bem
regado com interesses económicos sobre bebidas com álcool. E este
consumismo tem sido vergonhosamente desnutrido de responsabilidades em Educação
e Saúde.
Gerações jovens do passado são quem
dirige na actualidade. E o presente têm conseguido o sucesso deste século na promoção
do consumo. E o excesso do consumo, o consumismo de comportamentos der risco,
também com álcool, corresponde a um grave desequilíbrio, indecência ou vexame na
Educação para a Saúde para Prevenção de Doenças.
E a Saúde é um Bem, um Valor fundamental.
A despudorada pressão social consumista
e a submissão à propaganda de velhos mitos, (ex: dá força) e de novos mitos
(faz amigos) confirma a sua eficácia no aumento do consumo. Com música e
álcool, está o negócio garantido, para diversão e riqueza de muitos e tristeza
de bastantes.
Em situações de sofrimento,
desajustamento individual, familiar, social, na exclusão, o consumo facilitado
de bebidas com álcool, e o abuso (uso com dano) pode ser uma escapatória, para
sair, para não sentir, mas que na realidade só agrava o que está mal.
VM - Existe uma desculpabilização social?
Existe desculpabilização e carências na
responsabilidade, familiar, social, política e até nos serviços educativos e
nos serviços de saúde.
O poder do dinheiro, a força da
economia, corrompe e perante as realidades, impõe as suas outras verdades.
E na nossa cultura as bebidas com álcool
estão na nossa pele, em cada região com as suas produções, e até nas nossas famílias.
Tudo facilitado por muitos anos de laboração e de modernização dos
conhecimentos.
De facto, na nossa cultura a ignorância
sobre o consumo também está na nossa pele, na nossa família, embora
politicamente e socialmente a ignorância não seja assumida. A modernização na
partilha dos novos conhecimentos preventivos está atrasada.
Veja-se o conselho de lei para ser
responsável, para beber com moderação e que até é uma elegante recomendação.
Mas sem se explicar o que significa moderação, o consumidor fica sem saber. E
na ignorância vigora o… Eu acho que, ou Para mim… Etc.
Se este texto vier a público, aumenta a
possibilidade de, pelo menos por vergonha, esta ignorância poder mudar,
terminar.
Em muitos locais de Portugal, temos desde
há muitos anos, carência de competente divulgação de informação competente e ainda
ausência de educação e de estratégias de “democratização pedagógica” de testes
de alcoolémia, por exemplo do teste de “balão”.
E também temos tido crescente abundância
de mitos, de locais de “oferta” de álcool e de consequente banalização do mau
uso e abuso.
Mas estas ignorâncias têm que acabar. Temos
feito por isso, temos dado o modesto contributo para isso, mais as mensagens só
chegam a quem nos ouve. Aqui envio um exemplo do que, pelo menos devia acontecer
entre nós.
Figura 1 Informação Unidades de álcool UBS no
Reino Unido Foto gentileza de CARLOTA 2019,
para Mala da Prevenção
VM - Há uma pressão para beber?
É óbvia directa e não inocente, imprudente
e por vezes indecente. É um carnaval todo o ano.
A publicidade entra pelos olhos, pelos
ouvidos, vem ter connosco. Até pelas muito eficazes imagens televisivas para
promover o consumo, com pessoas de copo na mão, muitas vezes a beber de
empreitada.
É mais um carnaval, rodadas e, festas todo
o ano.
Num encontro, quantos de nós oferecemos uma bebida com álcool a um amigo? E água ou outra bebida? Não é fácil. Embarcamos e…
Num encontro, quantos de nós oferecemos uma bebida com álcool a um amigo? E água ou outra bebida? Não é fácil. Embarcamos e…
Porque é que tem que ser um copo (álcool)? Cultura e… muita ignorância
também. É um acto de cultura saber beber, saber escolher,
respeitar quem não bebe, respeitar-se quando se bebe. Brindar com álcool não é
obrigatório. Pode ser com outra bebida ou sem bebida. É preciso mudar o culto
de Brindar à Saúde pelo Brindar à Alegria, à Amizade, a outro valor, porque o
álcool não garante saúde a ninguém: é um químico neurotóxico.
VM - Porque motivo os hospitais não fazem o
acompanhamento dos casos de jovens que dão entrada com coma alcoólico?
Ouvindo o que nos dizem os doentes e
seus familiares, percebemos que infelizmente essa realidade não será uma
raridade.
Numa situação de doente comatoso, emergência
(risco de vida agravado) a prioridade é salvar a vida, ou numa situação de
urgência (risco de agravamento) é tratar, para evitar a emergência a curto
prazo.
O excesso de consumo de álcool,
intoxicação ou bebedeira, tornou-se banal em Portugal.
Admito que, mesmo onde seja banal, haja
quem entenda (e mal), que seja uma situação “normal” ou até repetidamente
pontual…
Onde tal aconteça há que melhorar e
educar para ajudar a referenciar.
Outra questão será: referenciar para
onde? Não abundam locais com equipas de saúde com prática na competência para
comportamentos de risco e danos associados ao mau uso de etanol.
E na verdade as associações com outras substâncias
químicas, até desconhecidas, são muito frequentes.
Cada profissional de saúde faz o que
melhor é capaz. Conhecendo profissionais do terreno, não é raro ouvir dizer que
não sabemos como fazer, reconhecer que não estamos preparados. Este
trabalho é complexo. Em muitos abusadores de álcool, pode-se encontrar,
previamente aos consumos de abuso, sofrimentos relacionados com perturbações de
ansiedade, do humor, da percepção da realidade, da personalidade entre outras dificuldades, o
que dificulta ainda mais os tratamentos.
VM - No caso da Paula, poderia nos dizer o
que potenciou este consumo?
Com deve compreender, não especifico esta ou aquela situação.
São várias as razões que podem desencadear um consumo abusivo em quem não
era consumidor ou em consumidores ocasionais, e os doentes e seus familiares falam
disso.
Claro que a integração social em ambiente consumista é comum. É comum
ouvir-se o Diz-me com quem andas…
Mas não é raro haver situações de muita solidão, frustração, alterações da
ansiedade e do humor, conflitualidades, fome e pobrezas, etc.
VM - A Paula diz que “alguma coisa de
errado se passava dentro de mim” para beber tanto. É comum este sentimento?
Porquê?
Quem trabalha com pessoas doentes, jovens, adultos e idosos, abusadores de bebidas com álcool, não é raro perceber que os consumos são como que tentativas de alívio, de (falsa) saída para sofrimento vivido pelo consumidor. O consumo deixa de ser feito pelo prazer, para ser feito para atenuar o desprazer. É o que se passa na dependência, em que se repete mais uma vez, apenas para aliviar, ainda que temporariamente, o desprazer duma falta, da carência.
Quem trabalha com pessoas doentes, jovens, adultos e idosos, abusadores de bebidas com álcool, não é raro perceber que os consumos são como que tentativas de alívio, de (falsa) saída para sofrimento vivido pelo consumidor. O consumo deixa de ser feito pelo prazer, para ser feito para atenuar o desprazer. É o que se passa na dependência, em que se repete mais uma vez, apenas para aliviar, ainda que temporariamente, o desprazer duma falta, da carência.
VM - Que papel têm os pais neste aumento de consumo?
Se os menores de idade consomem álcool,
seus pais ou educadores, devem conversar de frente sobre o assunto e,
eventualmente avaliar a situação com a enfermeira ou o médico de família.
VM - Quando se apercebem que o consumo é
excessivo, o que devem fazer?
Avaliar globalmente a situação com a
enfermeira ou o médico de família.
VM - Houve uma alteração no acesso ao
álcool, quando se tornou legal mais cedo. Porque é que isto aconteceu? Como é
permitido?
Lamentável evento ocorrido em Portugal.
Foi um período de aumento de fidelização de jovens consumidores. E também de
aumento de conflitualidade nas famílias onde jovens de 16 anos impunham,
aos seus pais, pagantes, esse consumo porque já era legal.
Casos houve em que expliquei a pais
desorientados que na sua casa eram eles que decidiam com era, e não a lei
invocada pelo filho ou filha de 16 ou 17 anos.
VM - O que é mais difícil na recuperação
destes jovens?
Mudar alguns hábitos gradualmente
instalados
Conseguir fazer a separação e seleção, de
amigos / conhecidos
Reorganizar algumas dinâmicas familiares
instaladas
VM - Quais são os maiores desafios?
Conseguir uma boa adesão à estratégia
proposta, a fazer com um acordo para reduzir riscos e ou para tratamento (que não
é um prémio, nem um castigo, mas uma necessidade de quem está doente).
Educar para a saúde e bem-estar
Desmitificar o consumo / tratamento
Conseguir a compreensão e o apoio
familiar, eventualmente comunitário
Responsabilizar e promover a abstinência
ou redução de riscos em comportamentos identificados.
Promover a conquista da autonomia
VM - Que doenças são provocadas pelo
consumo de álcool?
Mais de sessenta. São frequentes e pouco
faladas a impotência e a demência. Delírio de ciúme e dependência também são muito
negadas. Muitas desenvolvem-se lentamente.
Mas há uma que é muito frequente e de
instalação muito rápida e socialmente muito promovida. É a intoxicação aguda ou bebedeira, a única doença
provocada pelo álcool que é voluntariamente desejada.
O álcool é das substâncias que mais
estragos produz no bebedor excessivo, (doenças, acidentes, mortes, violências
diversas em crianças, jovens, adultos e idosos), na família e na sociedade.
Pode estragar a saúde, a memória, a atenção,
outras capacidades para estudo/ trabalho, afectos, sexualidade, a qualidade da
sua vida psíquica, física, familiar, relacional, cívica, financeira.
As doenças relacionadas com o álcool são
bem conhecidas por afectarem o bom funcionamento de muitos órgãos, coração e
vasos, estomago, fígado, pâncreas, bexiga, órgãos genitais e tantos outros
órgãos e sistemas e naturalmente o cérebro e também por estarem relacionadas
com muitos tumores.
VM - O facto de consumirem tão novos tem impacto no desenvolvimento do cérebro?
VM - Foi noticiado que estão a aumentar os
jovens que chegam às Comissões de Proteção de Crianças e Jovens por terem ou
estarem expostos a comportamentos relacionados com bebidas alcoólicas que
afetam o seu bem-estar e desenvolvimento?
Não sei responder sobre o que lá se
passa. Mas sei que há muitos jovens a consumir substâncias que perturbam o
funcionamento mental, álcool, canábis, pastilhas/sintéticas e até cocaína, e com
dificuldades acrescidas com pais, a agora também com avós
VM - Muitos destes jovens, contam que no
início bebiam por diversão, por estarem em grupo e depois passam a beber
sozinhos, melancólicos. Porquê? Porque é que acontece esta mudança?
Quem bebe só não partilha nada. Bebendo
só pode pensar controlar melhor o que faz e nem se justifica a ninguém. Se
perde interesses e capacidade de socialização, ficando isolado a beber, reforça
o isolamento.
VM - Uma rede de amigos consegue ajudar os
jovens com estes consumos?
Com bons amigos, são melhores os envolvimentos.
E, podem ser mais apoiados os crescimentos ou “renascimentos”.
VM - Porque é que os de 12 anos começam a
consumir?
Por incumprimentos de adultos que deviam
ser responsáveis, por faltas na educação e por acesso aos produtos de consumo.
Haverá solidão?
Serão crianças de facto abandonadas na
abundância material ou nas carências do essencial?
VM - O que devem fazer os pais quando os
filhos de 12 ou 13 anos começam a pedir para sair à noite?
Noite aos 12 anos? Que esperam? A Noite
é um enorme e por vezes agressivo negócio financeiro e também negócio cultural.
Há idades para tudo. Há que saber aguardar e viver o que se tem.
Os pais não podem colocar-se como irmãos
dos filhos, pais imaturos ou de adolescentes prolongados.
Pai é Pai, Mãe é Mãe. Nem são bonecos
nem pessoas “baris” que se como se fossem da idade dos filhos. Quem não educa…
Conhecidos têm os filhos muitos. Amigos
têm alguns. Pais só têm aqueles.
Há pais que deseducam, que tornam os
filhos agressivos, que querem fazer com que joguem numa equipa sénior
quando o seu lugar é na equipa dos infantis, iniciados, juvenis ou juniores.
Importa que saibam respeitar os tempos
de desenvolvimento dos filhos.
Respeitem os filhos. Dizer não também é
educação.
Os negócios (alguns selvagens e
enganadores) das seduções nos comportamentos de risco, mantêm enorme expansão
consumista. É urgente educar face pressão das epidemias das compras, incluindo os
écrans, as substâncias, o culto do imediatismo e do facilitismo, da ignorância
e da superficialidade, da falta de esperança e da falta de responsabilidade. A
perda de memória por “conveniência”, pode ser conveniente para curto prazo, mas
não gera Educação para o futuro.
Abdicar da Educação em valores e promover
a instrução em consumismo, é semear delinquência com risco de violência. É
criar ditadores primeiro dentro de casa e depois na comunidade. E os cidadãos menos
educados têm menos resistências e os mais ignorantes não sabem assumir
responsabilidades. E os frustrados ambiciosos não reconhecem limites. São tiranetes
ou tiranos. Quem não (re)conhece?
Nenhum comentário:
Postar um comentário