segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

DROGA DES MISTIFICADA E outras VIOLÊNCIAS


DROGA DES MISTIFICADA E outras VIOLÊNCIAS

Livro sobre realidades, contendo reflexões e observações, construído com a colaboração de profissionais de saúde e de intervenção social, portugueses e estrangeiros.

Aqui, neste blog, vamos publicando alguns conteúdos deste trabalho de partilha, procurando aumentar o conhecimento sobre o que é pouco conhecido, e assim contribuir para que haja melhoria no que necessita de ser melhorado ou até mudado, e para a defesa do que de bom e útil, necessita de ser mantido




Mudanças nos últimos quatro anos.  Desmitificar para melhorar.

Em 2017 de Agosto, acompanhámos a jornalista Ana Carvalho e Fotografa Mafalda Azevedo, para que se conhecesse e se desse a conhecer faces ocultas da droga em Lisboa. 

Tal como com outras poucas, visitas com profissionais da informação[1] interessados, o espanto, a surpresa ou choque perante a realidade foi bem visível, brutal.

A reportagem impressa foi publicada. Mas, não foram publicadas as imagens vídeo, pelo que no final dessa larga manhã, eu próprio publiquei um vídeo de apelo para que as autoridades fossem informadas.  Mas…, e…

Os discursos à volta do fenómeno da droga em Portugal tendem a ser positivos - Assim escreveu Ana Carvalho. 

Os discursos à volta do fenómeno da droga em Portugal tendem a ser positivos. O país é apontado como modelo de políticas de prevenção e redução de consumo de substâncias ilegais. A Grande Lisboa é mãe de muitos filhos da droga que rondam cantos da cidade para poderem injetar e fumar “cavalo” e crack sem que sejam vistos. Mas o que dizem as ruas da Grande Lisboa?  Em que condições se consome droga em Portugal? Mafalda Azevedo ANA B. CARVALHO23/08/2017 11:55 no Jornal i: https://ionline.sapo.pt/artigo/577440/droga-nos-nao-queremos-consumir-na-rua-a-sociedade-nao-tem-que-levar-connosco-?seccao=Portugal_i

AC - Estive a reler o trabalho que fizemos juntos, naquela reportagem. Gostaria de lhe pedir que a lesse novamente e me dissesse, se possível, que me dissesse o que alterou nestes quatro anos. Houve avanços? Está alguma coisa melhor? Ou piorou? O que se passam nas ruas de Lisboa hoje em dia?O país é apontado como modelo de políticas de prevenção e redução de consumo de substâncias ilegais.

LP - Lê-se isso em alguma imprensa, está escrito o que o jornalista viu ou ouviu, nomeadamente dito ou escrito da parte do poder (sector publico ou privado) e de quem dele depende financeiramente.

Estamos em Agosto 2021

Passaram quatro anos que publicou o seu trabalho sobre o que, livremente viu. E seguramente que o que viu e a deixou muito surpresa, direi até mesmo, chocada, não coincide com a propaganda de modeloEm Portugal o escrutínio é muito débil. E ainda vale muito como pura verdade o facto de algo ter passado na TV: só pode negar quem não ouve ou não vê. Na droga há muita ignorância, inverdade e, existe censura ou filtros, e assédio moral, silêncios defensivos, e desde há muitos anos.

Até mesmo o Observatório Europeu da Droga depende de poderes, conhece apenas o que lhes mostram, reconhece, mas, porque não conhece tudo, não pode contribuir para que se conheça mais, ou muito mais da realidade total. E assim contribui, ajuda a selecionar o que deva ser conhecido, e não,  a verdade da realidade.

Sobre Prevenção e Redução do consumo, o que é dito e se ouve “lá fora” é, desgraçadamente, bastante diferente do olhar e ver de quem conhece a realidade da verdade cá dentro, dentro de todo o país Portugal.

E como é um país pequeno e não somos muitos, tudo se sabe e muito se esconde. O empobrecimento técnico com perda de qualidade prestada é mau para os doentes e para suas famílias e para quem quer trabalhar com condições dignas e conhecimentos atualizados. 

AC - A Grande Lisboa é mãe de muitos filhos da droga que rondam cantos da cidade para poderem injetar e fumar “cavalo” e crack sem que sejam vistos.

LP - Quem vive fora do centro da cidade pode abastecer-se na sua área. Desde a grande destruição do antigo Casal Ventoso, de 2000, espalhou-se a actividade de oferta e consumo pela Grande Lisboa.

Na Grande Lisboa os consumidores estão dispersos, e muitos já não vão ao centro da cidade de Lisboa para se abasteceram de substâncias ilegais.

Mas, para quem quer ver,, a actividade visível  continua, para velhos e para novos consumidores, seja a oeste da Assembleia da República pelo Vale de Alcântara, Loureiro e arredores, a leste da Assembleia da República pelo Bairro Alto, pela Baixa, Martim Moniz, Mouraria, e Olaias e, a norte da Assembleia da República pela Cruz Vermelha e arredores.

E quem esteja ou está a sofrer com ressaca, tendo pressa consome logo ali onde se abastece: ainda na casa, no carro ou na rua.

Os consumidores abastecem-se também na periferia da cidade, a Norte, a Sul, a Este e a Oeste da Assembleia da República, do Terreiro do Paço, ou do Observatório Europeu das Drogas no Cais do Sodré. Na realidade, acontece também nos concelhos limítrofes de Lisboa, em coroa, pelas freguesias mais populosas a norte, sul este, oeste.

A oferta é grande pela Grande Lisboa. Basta perguntar a alguns taxistas ou a empregados de mesa onde adquirir droga, e, na verdade, na hora ou sem muita demora, ninguém fica sem resposta. Mas, é desconhecida a qualidade do que seja ilegal.

Há também a possibilidade de fazer a encomenda para ser entregue, ou melhor, recebida no domicílio, seja por correio ou por estafeta.

As distâncias variam. Desde apenas alguns metros destes locais de referência na sociedade, como sejam a Assembleia da República, o Terreiro do Paço, ou o Observatório Europeu das Drogas no Cais do Sodré, até à distância de algumas dezenas de quilómetros, há de tudo (ou quase) em substâncias ilegais e também abundância em substâncias legais.

Das substâncias legais merece destaque o negócio ilícito com medicamentos subsidiados pelo SNS, Ministério da Saúde, e desviados para o dito mercado negro, nomeadamente na cidade.

É observável, pública, esta actividade de negócio, que com a minha participação foi objecto de interesse para duas reportagens da imprensa escrita. Também falei disto numa larga entrevista em radio na Antena Aberta (Antena 1), e também já o tenho dito em televisão. Até com a tv, no terreno foram feitas gravações e que nunca foram transmitidas. Neste caso, na verdade, fui convidado de véspera, para gravar. E de manhã fomos para o terreno ver o que mostrei. Falaram com consumidores, que falaram, deram a conhecer, livremente, a verdade da realidade. E depois, completando, também falei eu para o telejornal, depoimento gravado com camara digital em cima do tripé. E à noite, o que “apareceu” nessa tv, foi um dirigente a falar de sucesso, a dizer que estava tudo bem. Perguntei ao jornalista porque nada se passou, nada foi apresentado… e a resposta foi … razões técnicas.

Por aqui se vê que haverá critérios, não direi pouco sérios ou, talvez haja falta de interesse para a ocasião ou, quiçá até censura?

Com diversas autoridades, também pude partilhar, por escrito e verbalmente, esta realidade do consumo abusivo com o desvio de medicamentos para o mercado negro,  e outras actividades anormais e até, alegadamente marginais à lei, portanto alegadamente ilegais.

Autoridades com responsabilidades, que publicamente se preocupam com a Saúde (e que aqui não cito, por algum alegado escândalo que isso poderia provocar). Que respostas? Assumi fazer essa partilha, oralmente e por escrito, por dever de consciência e porque conheço e reconheço que causam danos na saúde dos consumidores e na Saúde Pública. Até final de Agosto 2021 foi tudo em vão.

AC - Mas o que dizem as ruas da Grande Lisboa? 

LP - Nas ruas do centro de Lisboa turística, desde há bastantes anos continua a ouvir-se quem fala a apregoar, mais ou menos em surdina: Coca? Queres coca? Hax? É oferta (banhada ou verdadeira) para camones, estrangeiros e para nacionais de todas as idades. Até a mim, e já com cabelos brancos, assim me falaram, perguntaram, assim ouvi mais de uma vez, quer na Baixa, quer no Bairro. Mas, como muita gente também sabe, há oferta em outros bairros do centro e da noite de Lisboa cidade. Até já houve imprensa internacional a citar esta realidade.


Com o confinamento COVID 19, desde Março 2020, mudaram muitos comportamentos.

Mudaram até em quem se deslocava para comprar e que, muitas vezes consumia “logo ali”. Reduziram-se as deslocações e adaptaram-se os consumos. De início, para confinados em casa, foi saída para muita gente. o álcool “consumido em grande”, levado ou entregue vindo de uma loja grande ou pequena. E como nem se saia nem conduzia, sós ou em grupo via net, os abusos aconteciam.

E o abuso de certos medicamentos mais desejados também foi uma realidade. 

O que se tem visto e vê em cena aberta de consumo na rua depende do bairro que se visita. Aqui partilho alguns lugares onde vi consumir, nos últimos quaro anos (excepto nas semanas COVID de interdição de sair à rua).

No centro da cidade vi consumir, ou fotografei a parafernália do consumo, no beco, na travessa, na rua, no degrau da escadaria, no jardim, nos estacionamentos junto do trabalho e de escolas (superior, secundária e jardim infantil).

Noutros locais, fora do centro, mais periféricos, vi consumir num buraco de prédio abandonado, atrás de muro que proteja o consumidor de olhares e do vento (que ameaça dispersar o fumo que deseja consumir), nas ruínas, mas também na escarpa, ou no ermo, num descampado com vista para os prédios, ou com vista a perder de vista. Não falta parafernália para quem quiser fotografar.

Muros da vergonha, que, alegadamente agravam riscos para os mais frágeis

Há locais que vão mudando geograficamente, de acordo com as barreiras físicas, nomeadamente com muros altos e também grades, que quem manda, vai colocando. Assim se aumentaram os riscos. 

Na realidade, por vezes, esta mudança forçada de local de consumo, é feita para locais mais perigosos, de mais difícil acesso aos consumidores, portanto com mais riscos. 

Tapar, esconder a degradação. Alegadamente este aspecto nunca foi considerado numa perspectiva de redução de riscos, mas porventura de tirar das vistas dos transeuntes as cenas de consumo à vista. É a repressão material de consumidores, feita alegadamente por ignorantes na dimensão e na condição psicossocial. Não será uma evidencia dos interesses geopolíticos e económicos, em detrimento dos interesses sanitários e sociais?

Nessas largas dezenas de espaços, áreas de consumo aberto, “sala” locais de consumo, desde 2000 a 2021, não foi difícil, nem é difícil encontrar materiais usados para o consumo e ali abandonados (de unidades até a largas centenas). Vimos e vemos seringas usadas até ensanguentadas, agulhas também, colheres, toalhetes com sangue, tubos de plástico, cachimbos artesanais (garrafa ou lata), para fumar coca base, crack, para além dos sacos de plástico dos kits, que, finalmente agora são de papel.  E claro que preservativos abandonados sem uso, são às centenas e centenas de dezenas. Numa visita durante uma hora recolhemos 500 preservativos masculinos por usar, espalhados por diversas áreas de consumo, abandonados. Este abandono é um dos aspectos que evidencia carências na qualidade de trabalho preventivo, mas eficácia da distribuição. Entrega estatisticamente significativa, porventura excelente até, para quem os vende para abastecer os kit.

Estamos conhecedores e habituados a que, por vezes na mesma caixa do correio coloquem, despachem muitos flyers da mesma publicidade. Conta a estatística. Mas tantos preservativos não usados e abandonados no chão, só por medíocre ou má solução. Se desejar veja o vídeo de outrora, de há 4 anos, mas também pode ir ver agora, antes de eventual limpeza, bloqueio ou mudança, alegada coincidência ocorrida quando publicamos imagens de inconvenientes realidades[2].  

Em Lisboa e de manhã, em Dia de S João  e 16 anos depois da publicação da Lei de Redução de Riscos, fomos de visita a lugares de consumo, acompanhado por jovem psicóloga, que ficou profundamente admirada ou chocada, e conclui que “nos locais vemos que a realidade é diferente daquela que nos é transmitida” (Leocádia Lacerda). Visita ao Casal Ventoso, Lisboa, dia 24 de Junho de 2017 Por Leocádia Lacerda, psicóloga

Pela primeira vez tive contacto com o mundo da toxicodependência. A ida ao terreno infelizmente correspondeu à ideia que tinha de quando era adolescente e via reportagens sobre o mundo da droga. As imagens que então nos chegavam através da televisão, correspondem ao que vi hoje passado mais de 15 anos…sendo surreal as condições nos locais onde os toxicodependentes consomem. Espaços na rua, em edifícios abandonados, onde se verifica existir uma quantidade descomunal de seringas usadas, preservativos não usados, ou seja, dos kit’s espalhados e podemos verificar o desperdício de preservativos e chegar a conclusão que o trabalho de prevenção não está a ser feito com qualidade como é transmitido por alguns órgãos de comunicação social, assim como a diminuição do consumo. Nesta manhã de 24 de Junho de 2017, enquanto recolhia preservativos juntamente com o Dr. Luís Patrício, passou por nós um consumidor que nos deu a saudação e foi para uma outra área de consumo pelo que não avançamos mais por aí. Já noutro local de consumo fomos abordados por um consumidor que esperou que saíssemos com centenas de preservativos já recolhidos, para poder ir para o seu local e consumir. A degradação continua, dos consumidores, dos espaços, da falta de condições higiénicas, da falta de prevenção. É uma realidade triste e não pode ser escondida por vergonha ou por interesses. Desta experiência ficam as imagens que me marcaram de sítios onde ninguém quer estar e quem está, está por não ter outras opções… E fica o pensamento de vivermos numa sociedade em que se ilude as pessoas de que está tudo bem, que se trabalha para um futuro melhor, mas não, a realidade é bem mais triste e deprimente.

Regularmente, desde há anos, publicamos imagens, fotos e vídeos sobre estes locais de consumo em cena aberta[3] e que podem ser visualizadas pela web em 

https://www.youtube.com/user/psimedicina/   e  https://www.facebook.com/maladaprevencao.drluispatricio
http://maladaprevencao.blogspot.com/
https://www.facebook.com/luisduarte.baptistapatricio

Nessas imagens também de vê a abundância (inúmeras centenas) de seringas e agulhas que não foram recolhidas, ameaça â Saúde Pública e a abundância de preservativos masculinos (inúmeros milhares), não usados abandonados, desperdiçados. Se quatro anos de desperdício já seria mau, dez anos seria péssimo, vinte e um é um escândalo, traduz incompetência ou desconhecimento / ignorância.

Menos visível, e pelo que oiço no meu trabalho, é o que, alegadamente se passa no consumo de cocaína nos WC, em dezenas de WC de estabelecimentos comerciais de diversão e bares, cujo sustento se apoio no intenso consumo de álcool associado a cocaína.

Com as limitações provocadas pelo confinamento, pessoas que iam aos locais conhecidos comprar o produto ilegal, passaram a encomendar por telemóvel e a receber a por entrega numa rua da área onde moram (o que não é novidade), ou até mesmo à porta do prédio e até mesmo em casa, no apartamento (o que não era comum). Alguns ou muitos entregadores não entregam só pizas…

Em que condições se consome droga em Portugal? 
Em condições de riscos bastante semelhantes, por todo o país, de norte a sul.

Abunda a falta de informação para os consumidores, agravando as carências em redução de riscos. Felizmente de há muito que se entregam kit de redução de riscos. O que é fundamental.

Mas, onde tal entrega aconteça ser feita despachando, kits, apenas como sendo para estatística…. Apenas despachar é actitude incompetente, é imoral.

Entregar ou oferecer exige experiência e leva tempo. Faz-se para desenvolver a aproximação e mobilização para real redução de bastantes comportamentos de risco. E também para eventual mobilização real para tratamento. Não se despacha material nem pessoas.  Quem seja profissional e tenha formação e seja competente faz muito mais do que entregas para a estatística.

Mas só pode fazer quem sabe, quem foi ensinado. Não ensina, nem o bem quem foi ensebado. Só pode ensinar de verdade quem aprendeu e não quem apenas ocupe um lugar, como se…

Uma máquina de troca de seringas resolvia a entrega 24 h por dia. E Portugal, 18 anos depois da divulgação que então fizemos, porque então aprendemos, Portugal continua sem ter uma que seja… 

Para quem injecta comprimidos Portugal continua a não facultar filtros próprios que ajudam a reduzir riscos inerentes a exta forma de consumo.

Nem tão pouco faculta garrotes

No âmbito do tratamento dos doentes as dificuldades são evidentes e crescentes.

Muitos doentes estão sub medicados, seja com metadona, buprenorfina, ou outros medicamentos.

Muitos não tem consulta com o médico há muitos meses ou mais do que isso.

Muitos tomam medicamentos, que alegadamente são escolhidos, decididos por não médico, nomeadamente por psicólogo e até assistente social, ou outro membro de alguma equipa. Alegadamente alguns profissionais não médicos induzem a escolha ou escolhem o medicamento a tomar. E alegadamente indicam as doses a tomar e também, alegadamente a duração do tratamento medicamentoso.

E alegadamente haverá quem não médico use o código médico (a assinatura digital),  para preenchimento de receituário do Sistema Nacional de Saúde com responsabilidade de receita médica obrigatório.

É bem verdade que na prescrição por receita médica, apenas consta a assinatura do prescritor, e não do médico…

O mau uso, abuso de certos medicamentos de responsabilidade médica obrigatória e o desvio para o mercado dito negro, de rua, a preços baixos ( ex 70 cêntimos Dormicum® ou 50centimos Rivotril®) ou a preços elevados (exemplo 5€ ou 7€ ou 10 € ou mais até por um comprimido de 8mg de buprenorfina, genérico ou original Subutex®,  ou 6€ euros por frasco ou saqueta de 40 mg de metadona (exclusivo do Ministério da Saúde, distribuído gratuitamente por alguns serviços do Ministério da Saúde que autoriza a distribuição a algumas ONG ou IPSS convencionadas.

Verdade da realidade: o SNS também subsidia parcialmente alguns medicamentos que vendidos a retalho dão assim razoável lucro ao vendedor. E sendo a metadona, ou outro medicamento subsidiado na totalidade, com a sua venda o lucro é toral.

Com estes negócios muitos doentes conseguem algum dinheiro para pagar a cocaína que também consomem. Deste modo todos, doentes e terapeutas, se colocam num baixo limiar de exigência: isto basta para se manterem nesse desequilíbrio, muitas vezes sem terem consultas médicas, nem para avaliação, sem terem apoio, nem avaliação de enfermagem.

Este assunto marginal tem sido objecto de várias publicações. Aqui coloco o exemplo de há 4 anos.

Serviços de Tratamento Ambulatório em consulta, para doentes com elevado patamar de exigência, mobilizados para se tratar, chamado Alto Limiar, ficam sem doentes que derivam para a rua e ou para outros serviços de acesso facilitado.

Serviços de Apoio e Redução de Riscos, com acesso facilitado para doentes de Baixo limiar de exigência face ao Tratamento, recebem estes doentes e deviam fazer uma mobilização bem conseguida, para os enviar para tratamento, e não desistir e ficar por essa pobre manutenção.

Alegadamente, haverá serviços em que, quando existe avaliação, nem sempre é um médico quem faz a chamada avaliação médica do doente. Será então, alegadamente, um não médico quem avalia e que faz como sabe com o que sabe. Há quem alegadamente denomine esta actividade usurpação de funções.

Há funções que apenas podem ser feitas por Médico ou por Enfermeiro, o que alegadamente nem sempre acontece onde alegadamente nunca devia ser tolerado acontecer: alegadamente serviços do Ministério da Saúde ou por ele protocolados e subsidiados.

Sobre as condições em que se trabalha
Sobre as condições em que se trabalha, haverá muita verdade para se reconhecer, para além das verdades ditas e conhecidas. Muitos profissionais têm saído dos serviços, transferidos a pedido ou reformados. Não é raro ouvir testemunhos de desagrado pelas condições de trabalho, que reflectem a falta de consideração dirigente, não existente para quem trabalha: médicos e outros profissionais de saúde destratados, desrespeitados por funcionários protegidos por quem dirige.

Não será raro serem feitas alterações ou mais marcações de consultas, sem conhecimento de quem vai fazer o trabalho.

Também não é rara a falta de condições para fazer um trabalho clínico de qualidade, bem como a ausência de supervisão, nomeadamente competente, feita por quem tenha competência. Predomina a procura da estatística em detrimento da qualidade clínica e do estudo. Há, alegadamente doentes submedicados, sem terem consulta médica desde há muitos meses, mas recebendo medicação de prescrição médica obrigatória. E, alegadamente, há quem receba consulta médica, “ocasional”, espaçada e no ritmo de “oito doentes consultados por hora”.

Pude ouvir de quem trabalha: “Não é uma equipa interdisciplinar, é inter-administrativa e mandam…” 

E mais de uma vez, aqui e ali, tenho ouvido dito por quem trabalha: “Se pudesse saía”; “só estou à espera de atingir a idade para a reforma sem me penalizar”; saudades de quando havia reuniões clínicas; quem não lhes agrade fica de lado”.

O receio é uma realidade: “Se me mudarem de local de trabalho, e podem, estrago a minha vida toda. É melhor nada dizer”.

Para melhor ilustrar a situação, convidámos alguns profissionais para partilharem aqui o que, em sua opinião mudou em Portugal nos últimos quatro anos.

Houve quem não reagisse ao convite, houve quem manifestasse concordar com o tema mas, não respondesse, houve quem respondesse sob anonimato ou sob pseudónimo, e quem assinasse a opinião. 

Aqui partilhamos os conteúdos que recebemos por escrito, muito agradecendo a participação de todos, autêntico serviço público que poderá contribuir para melhorar o trabalho feito para servir os doentes.

Aqui destacamos uma síntese de alguns dos comentários recebidos, sobre os últimos quatro anos.

Grave abuso de medicamentos Metadona, Buprenorfina e Benzodiazepinas

De um ponto de vista estritamente clínico, não foram muitas as mudanças.

O número de utentes encaminhados pelos Médicos de Família aumentou significativamente, assim como os que foram referenciados por médicos hospitalares, ou outras instituições, nomeadamente de apoio social. Em número significativamente menor, também aumentou o número de pedidos de ajuda por iniciativa própria. 

Houve aumento do consumo de heroína, entre gente mais nova, mas, mais importante e mais grave, é o abuso de medicamentos de prescrição médica obrigatória: Metadona, Buprenorfina e Benzodiazepinas

Desde março de 2020 até a data, houve mudanças resultantes de pandemia que vivemos.

Durante as fases mais restritivas da atual pandemia, o número de recaídas, aumentou, sobretudo, na dependência alcoólica, mas, paradoxalmente, o número de sucessos terapêuticos, também penso ter aumentado.

Médico. Norte

 

Nem sei que dizer...

Nem sei que dizer... nesta pequena e espontânea análise.

Nos últimos anos não tem sido feito qualquer investimento na área das dependências.

Não há partilha entre os vários agentes. Não há encontros para aferir do estado da arte...

Novos utentes não há. Os utentes em Metadona estão velhos e cada vez mais de baixíssimo limiar.

Nada sabemos de prevenção primária.

Quanto à minimização de danos só sabemos de algo, quando as equipas de rua já perderam completamente o controle.

A cocaína tomou conta de uma grande parte de jovens pequenos e médios empresários da casa dos 35 a 50 anos com desorganização completas das suas personalidades.

Muito importante é prevenir e cuidar dos efeitos deletérios do consumo sistemático de benzodiazepinas

Por último, cada vez me é mais evidente a necessidade de psiquiatras e psicólogos, estarem atentos aos sinais ténues da psicopatologia subjacente aos inícios dos consumos.

António Luís.  Centro

 

Assédio laboral, circula nas instituições

Reflectindo sobre os últimos 4 anos nos tratamentos das dependências

O tempo.... Temos 29 m para efetuar a consulta abrangendo a terapia de suporte individual e raramente a avaliação psicológica. Terapia familiar sistémica, está completamente negada.

Incongruência .... Regras dos tratamentos não são respeitadas por significativo número de doentes, … ficando… à la carte da decisão dos profissionais.

Violência.... Ameaça à integridade física de profissionais, por utentes..., impunes quase intocáveis. Grande parte dos utentes trazem armas brancas.

Por outro lado, o bullyng /assédio laboral, circula nas instituições, levando profissionais a adoecer. Reacção adaptativa ao "sem eira nem beira" com que estas instituições estão contaminadas.

Conclusão – Nestes locais de trabalho que existem para tratar pessoas com problemas psiquiátricos psicológicos e não apenas um problema social, existem profissionais que não têm condições de trabalho dignas, redundando a abordagem clínica dos comportamentos aditivos, na supremacia da resposta geopolítica sobre a resposta sanitária e social.

Obrigado por mais um desafio

“Maria”, Psicóloga . Norte

 

Pandemia - resiliência dos profissionais

O difícil enquadramento gerado pela situação de pandemia teve impacto imediato no processo de tratamento e reinserção, sendo visível a queda na atividade programada… os serviços em teletrabalho, limitaram os atendimentos presenciais, encaminhamentos e articulações.

… As limitações físicas modificaram a forma como estamos disponíveis para os utentes e suas famílias. A saúde mental degradou-se, o isolamento e estados depressivos aumentaram. … Também … pedidos para tratamento de problemas ligados ao consumo de heroína, canábis e benzodiazepinas. 

Houve uma ligeira redução dos pedidos de acompanhamento… um aumento nos pedidos de … readmissões,

…  limitações nos encaminhamentos para a comunidade...

… o fecho das Unidades em regime de internamento de curta duração… e de longa duração…, foram limitadoras e … uma fase muito complicada.

A instabilidade socio económica … fragilizou ainda mais esta população, o que levou … a depender economicamente da família e por outro lado, a práticas/atividades ilícitas… ilegalidades e… problemas judiciais ou a colocar a sua saúde em risco.

Conclusões

Este período mais uma vez, colocou em foco a resiliência dos profissionais…

… Apesar do desgaste psicológico e físico, a falta de resposta institucional e empresarial, o empenho e gosto profissional, a vontade e disposição de escuta, acolhimento e vontade de apoiar na construção do projeto de vida de cada um mantém-se, bem como em participar nas iniciativas que o serviço possa vir a proporcionar.

Paula Pinto Assistente Social . Centro

 

Tínhamos

Tínhamos, no Centro de Saúde, reuniões bimensais… Até Março /2021

Tínhamos uma relação boa com as Escolas onde trabalhávamos em Educação para a Saude com professores e alunos. Desde há 5 anos essa parceria acabou por problemas burocráticos… Antes o contacto era directo professor/médico, era rápido simples e eficiente.

O consumo de canábis e álcool nas escolas, apesar de todos os controlos de segurança, continuam a ser uma realidade (escondida? Porquê?).

… Apesar de parecer que andamos a “pregar no deserto “desde 1991, continuamos a insistir e a trabalhar.

JB Médico de Família. Margem Sul do Tejo

 

Desilusão total... o necessário são números

Aqui não senti diferenças. Antes pelo contrário um grande retro cerco na intervenção ao nível das dependências. Ficamos a ser mais um número no sistema e a qualificação pouco valorizada. Muitos artigos publicados (alguém estará a pensar num cargo na política?). Desilusão total.... o necessário são números, tenham eles a qualidade que tiverem. Longe vai o tempo em que se trabalhava a pensar em equipa e a pensar na resolução das problemáticas para as quais trabalhávamos. Hoje não. O trabalho é de secretária. O campo de trabalho existe, mas, por parceiros para os quais trabalhamos. A resposta? Uma desilusão. Desculpe o desabafo.  É suma resposta. Dou a cara, mas não é preciso aceitar. Um Abraço Agradeço o pedido do meu contributo. Contudo ele não é muito positivo.

Maria, Técnica Psicossocial.  Norte

 

Equipas desmotivadas

Exemplos paradigmáticos de como anda a Prevenção.

Contava-me há poucos meses uma adolescente de 16 anos que nas duas escolas públicas em que foi aluna teve ações formativas sobre sexualidade, mas não sobre substâncias psicoativas de abuso e dependência. E, no entanto, em ambas se consome cannabis descaradamente. É a crescente banalização do consumo de haxixe e álcool. Nos jardins públicos, junto até de agentes da Polícia, que fazem vista grossa, já observei.

Claro que na área do Tratamento aumentou significativamente a procura deste só pelo consumo de cannabis, pelos seus efeitos perturbadores, chegando por vezes à descompensação psicótica.

As equipas de tratamento estão muito mais reduzidas, com a aposentação e a não substituição de técnicos. E desmotivadas. Com a contínua e agravada falta de condições de trabalho.

Quanto à Reinserção, continua sendo o parente pobre, agora mais ainda. Revela a pobreza de espírito da atual irresponsabilidade cívica e social.

Só a área de Redução de Riscos e Minimização de Danos melhorou. Abertura da sala de consumo assistido e sobretudo o empenho e dedicação dos profissionais envolvidos, com os quais contacto, e pelo que constato através dos utentes.

Ana Paula Moita, Psicóloga Clínica e da Saúde/Psicoterapeuta, em Lisboa, há 43 anos.

 

Verdades e realidades.

Possibilidades, promessas e droga de realidades

Desde há VINTE ANOS, que a Lei publicada então (2001), permite a criação legal de salas de Consumo assistido, uma das respostas previstas, nas nove áreas então legisladas em Redução de Riscos.

Honro-me de ter liderado a equipa de trabalho e de ter assinado o documento final com os pressupostos técnicos para a elaboração dessa lei e que entreguei ao governo, presidido pelo Eng. António Guterres.

Honro-me do que foi feito com algumas das respostas realizadas.

Lamento a pequena dimensão usada com outras respostas legisladas.

Tenho vergonha, como profissional e como português, da negação prolongada de criação de respostas previstas como importantes em Saúde Pública: salas de consumo com menos riscos.

Para melhor entendimento passarei a explicar.

Honro-me da legislação que permitiu aumentar muito, por todo o Pais, algumas respostas em áreas de intervenção directa em Redução de Riscos, como seja as Equipas de Rua e os Programas de Baixo Limiar.

Lamento a pequena dimensão no uso de respostas legisladas, como seja o testing, cuja aplicação na realidade dos eventos de consumo, tem sido frágil e proporcionalmente até caricata. Durante estes vinte anos de lei em vigor, foram feitos por consumidores e por vontade própria, largos e largos milhares de consumos de substâncias desconhecidas, e ou de qualidade mal conhecida.

Estes consumos aconteceram na verdade, na realidade.  E assim continua a acontecer este uso já costumeiro, em usos ditos recreativos, em casa, nas festas e concertos, e nos pequenos e megafestivais, legais e ilegais. Perante tanto consumo, é proporcionalmente reduzida o número de locais para fazer o testing.  E também muito reduzida a disponibilidade de serviços para tal tarefa de redução de riscos e a disponibilidade dos consumidores (pouco e mal informados). Assim, perante as realidades da totalidade de consumos cegos realizados durante 20 anos, é paupérrimo muitíssimo menos, caricato até, o número de testes realizados como estratégia legal de Redução de Riscos.

E o caricato ficou agravado e passou a escandaloso com as doenças, os graves danos físicos, psíquicos provocados até a menores de idade, a jovens adolescentes, que necessitaram de internamentos forçados por estarem em sofrimento psicótico agudo. Assim, aconteceu.

Esta realidade foi sucedendo em Portugal: brutal aumento do consumo de substâncias desconhecidas, e consequente e declarado aumento dos danos provocados em consumidores e suas famílias. Tudo foi acontecendo de 2007 a 2013, acompanhando o crescimento do comércio legal de substâncias sintéticas desconhecidas, vendidas em estabelecimentos em rede criados pelo país real, por Portugal continental e Regiões Autónomas. Tal foi a dimensão e escândalo, que, por exemplo, a Região Autónoma da Madeira procurou criar legislação defensiva própria, antes da criação da legislação de dimensão nacional.

 

Preocupações para muitos, tragédias para muitos mais

Tragédias para muitos consumidores e para famílias, preocupações para muitos profissionais de saúde chamados a tratar estes doentes, ou a prevenir riscos, preocupações para muitas autoridades policiais chamadas para intervir nas crises, intervenções para controlo de perturbações sociais.

Muitos danos ocorreram e por vezes muito graves, mas nem todos foram conhecidos nem, alegadamente de profissionais de saúde que muito teriam para aprender. Outros, alegadamente com consequências muitos graves não terão sido esclarecidos.

Depois da ilegalização das lojas de comercio legal, o assunto diluiu-se na preocupação dita nacional oficial.

Mas, ainda que em muito menor dimensão, as questões continuam, pelo consumo após venda/compra directa agora ilegal, e pelo abastecimento por internet e com entrega postal.

Quanto à qualidade, ignorância.

Quanto à Prevenção, seguramente muito assimétrica em regularidade e qualidade.

Quanto à quantidade pouca, reduzida ou até nula, e alegadamente sem importância.

Quanto às consequências de gestão política sanitária, porventura sem consequências nas responsabilidades, sem mudanças na avaliação de responsabilidade responsáveis.  Porventura até talvez o risco de elogios e promoções.

Envergonho-me do que não foi feito em Portugal. Considero vergonhoso e inexplicável o atraso no âmbito das salas de consumo de menos risco.

Depois de vários anúncios anunciados e de novo falhados, em 2020 foi criada, Salas de Consumo Assistido.

A primeira talvez não tenha sido bem a primeira. Recordo-me que perguntei a um colega, dirigente de uma ONG designada com responsável por uma sala de consumo, se nessa estrutura anunciada, se fazia consumo injectado e se dispunham de Naloxona em spray, medicamento indispensável usado para fazer reverter um estado de coma provocado por opiáceos. Percebi ter ouvido dizer que não, que ainda não, mas iria haver. E perguntei se já havia consumo injectado, como alegadamente fora anunciado nos média e foi dito que ainda não. Fiquei esclarecido sobre a confusão de um não funcionamento, Faz-se mas ainda não é feito.  Na confusão não poder ficar claramente esclarecido. Isto é: mediaticamente abriu, funciona, mas não funciona para o que abriu.

... continua...