Livro sobre realidades, contendo reflexões e observações, construído com a colaboração de profissionais de saúde e de intervenção social, portugueses e estrangeiros.
Aqui, neste blog, vamos publicando alguns conteúdos deste trabalho de partilha, procurando aumentar o conhecimento sobre o que é pouco conhecido, e assim contribuir para que haja melhoria no que necessita de ser melhorado ou até mudado, e para a defesa do que de bom e útil, necessita de ser mantido
Mudanças nos últimos quatro anos. Desmitificar para melhorar.
Em 2017 de Agosto, acompanhámos a jornalista Ana Carvalho e Fotografa Mafalda Azevedo, para que se conhecesse e se desse a conhecer faces ocultas da droga em Lisboa.
Tal como com outras poucas, visitas com profissionais da informação[1] interessados, o espanto, a surpresa ou choque perante a realidade foi bem visível, brutal.
A reportagem impressa foi publicada. Mas, não foram publicadas as imagens vídeo, pelo que no final dessa larga manhã, eu próprio publiquei um vídeo de apelo para que as autoridades fossem informadas. Mas…, e…
Os discursos à volta do fenómeno da droga em Portugal tendem a ser positivos - Assim escreveu Ana Carvalho.
AC - Estive a reler o trabalho que fizemos juntos, naquela reportagem. Gostaria de lhe pedir que a lesse novamente e me dissesse, se possível, que me dissesse o que alterou nestes quatro anos. Houve avanços? Está alguma coisa melhor? Ou piorou? O que se passam nas ruas de Lisboa hoje em dia?O país é apontado como modelo de políticas de prevenção e redução de consumo de substâncias ilegais.
LP - Lê-se isso em alguma imprensa, está escrito o que o
jornalista viu ou ouviu, nomeadamente dito ou escrito da parte do poder (sector
publico ou privado) e de quem dele depende financeiramente.
Estamos em Agosto 2021
Até mesmo o Observatório Europeu da Droga depende de
poderes, conhece apenas o que lhes mostram, reconhece, mas, porque não conhece
tudo, não pode contribuir para que se conheça mais, ou muito mais da realidade
total. E assim contribui, ajuda a selecionar o que deva ser conhecido, e
não, a verdade da realidade.
Sobre Prevenção e Redução do consumo, o que é dito e se
ouve “lá fora” é, desgraçadamente, bastante diferente do olhar e ver de quem
conhece a realidade da verdade cá dentro, dentro de todo o país Portugal.
E como é um país pequeno e não somos muitos, tudo se sabe e muito se esconde. O empobrecimento técnico com perda de qualidade prestada é mau para os doentes e para suas famílias e para quem quer trabalhar com condições dignas e conhecimentos atualizados.
AC - A Grande Lisboa é mãe de muitos
filhos da droga que rondam cantos da cidade para poderem injetar e fumar
“cavalo” e crack sem que sejam vistos.
LP - Quem vive fora do centro da cidade pode abastecer-se
na sua área. Desde a grande destruição do antigo Casal Ventoso, de 2000,
espalhou-se a actividade de oferta e consumo pela Grande Lisboa.
Na Grande Lisboa os consumidores estão dispersos, e muitos já não vão ao centro da cidade de Lisboa para se abasteceram de substâncias ilegais.
Mas, para quem quer ver,, a actividade visível continua, para velhos e para novos consumidores, seja a oeste da Assembleia da República pelo Vale de Alcântara, Loureiro e arredores, a leste da Assembleia da República pelo Bairro Alto, pela Baixa, Martim Moniz, Mouraria, e Olaias e, a norte da Assembleia da República pela Cruz Vermelha e arredores.
E quem esteja ou está a sofrer com ressaca, tendo pressa
consome logo ali onde se abastece: ainda na casa, no carro ou na rua.
Os consumidores abastecem-se também na periferia da
cidade, a Norte, a Sul, a Este e a Oeste da Assembleia da República, do
Terreiro do Paço, ou do Observatório Europeu das Drogas no Cais do Sodré. Na
realidade, acontece também nos concelhos limítrofes de Lisboa, em coroa, pelas
freguesias mais populosas a norte, sul este, oeste.
A oferta é grande pela Grande Lisboa. Basta
perguntar a alguns taxistas ou a empregados de mesa onde adquirir droga,
e, na verdade, na hora ou sem muita demora, ninguém fica sem resposta. Mas, é
desconhecida a qualidade do que seja ilegal.
Há também a possibilidade de fazer a encomenda para ser
entregue, ou melhor, recebida no domicílio, seja por correio ou por estafeta.
As distâncias variam. Desde apenas alguns metros destes
locais de referência na sociedade, como sejam a Assembleia da República, o
Terreiro do Paço, ou o Observatório Europeu das Drogas no Cais do Sodré, até à
distância de algumas dezenas de quilómetros, há de tudo (ou quase) em
substâncias ilegais e também abundância em substâncias legais.
Das substâncias legais merece destaque o negócio ilícito
com medicamentos subsidiados pelo SNS, Ministério da Saúde, e desviados para o
dito mercado negro, nomeadamente na cidade.
É observável, pública, esta actividade de negócio, que com
a minha participação foi objecto de interesse para duas reportagens da imprensa
escrita. Também falei disto numa larga entrevista em radio na Antena Aberta
(Antena 1), e também já o tenho dito em televisão. Até com a tv, no terreno
foram feitas gravações e que nunca foram transmitidas. Neste caso, na verdade,
fui convidado de véspera, para gravar. E de manhã fomos para o terreno ver o
que mostrei. Falaram com consumidores, que falaram, deram a conhecer,
livremente, a verdade da realidade. E depois, completando, também falei eu para
o telejornal, depoimento gravado com camara digital em cima do tripé. E à
noite, o que “apareceu” nessa tv, foi um dirigente a falar de sucesso, a dizer
que estava tudo bem. Perguntei ao jornalista porque nada se passou, nada foi apresentado… e a
resposta foi … razões técnicas.
Por aqui se vê que haverá critérios, não direi pouco sérios ou, talvez haja falta de interesse
para a ocasião ou, quiçá até censura?
Com diversas autoridades, também pude partilhar, por
escrito e verbalmente, esta realidade do consumo abusivo com o desvio de
medicamentos para o mercado negro, e
outras actividades anormais e até, alegadamente marginais à lei, portanto
alegadamente ilegais.
Autoridades com responsabilidades, que publicamente se
preocupam com a Saúde (e que aqui não cito, por algum alegado escândalo que
isso poderia provocar). Que respostas? Assumi fazer essa partilha, oralmente e
por escrito, por dever de consciência e porque conheço e reconheço que causam
danos na saúde dos consumidores e na Saúde Pública. Até final de Agosto 2021
foi tudo em vão.
AC - Mas o que dizem as ruas da Grande
Lisboa?
LP - Nas ruas do centro de Lisboa turística, desde há
bastantes anos continua a ouvir-se quem fala a apregoar, mais ou menos em
surdina: Coca? Queres coca? Hax? É oferta (banhada ou verdadeira) para camones,
estrangeiros e para nacionais de todas as idades. Até a mim, e já com cabelos
brancos, assim me falaram, perguntaram, assim ouvi mais de uma vez, quer na
Baixa, quer no Bairro. Mas, como muita gente também sabe, há oferta em outros
bairros do centro e da noite de Lisboa cidade. Até já houve imprensa
internacional a citar esta realidade.
Com o confinamento COVID 19, desde Março 2020, mudaram muitos comportamentos.
Mudaram até em quem se deslocava para comprar e que, muitas vezes consumia “logo
ali”. Reduziram-se as deslocações e adaptaram-se os consumos. De início,
para confinados em casa, foi saída para muita gente. o álcool “consumido em
grande”, levado ou entregue vindo de uma loja grande ou pequena. E como nem
se saia nem conduzia, sós ou em grupo via net, os abusos aconteciam.
E o abuso de certos medicamentos mais desejados também foi uma realidade.
O que se tem visto e vê em cena aberta de consumo na rua
depende do bairro que se visita. Aqui partilho alguns lugares onde vi consumir,
nos últimos quaro anos (excepto nas semanas COVID de interdição de sair à rua).
No centro da cidade vi consumir, ou fotografei a
parafernália do consumo, no beco, na travessa, na rua, no degrau da escadaria,
no jardim, nos estacionamentos junto do trabalho e de escolas (superior,
secundária e jardim infantil).
Noutros locais, fora do centro, mais periféricos, vi consumir num buraco de prédio abandonado, atrás de muro que proteja o consumidor de olhares e do vento (que ameaça dispersar o fumo que deseja consumir), nas ruínas, mas também na escarpa, ou no ermo, num descampado com vista para os prédios, ou com vista a perder de vista. Não falta parafernália para quem quiser fotografar.
Muros da vergonha, que, alegadamente agravam riscos para os mais frágeis
Há locais que vão mudando geograficamente, de acordo com as barreiras físicas, nomeadamente com muros altos e também grades, que quem manda, vai colocando. Assim se aumentaram os riscos.
Na realidade, por
vezes, esta mudança forçada de local de consumo, é feita para locais mais
perigosos, de mais difícil acesso aos consumidores, portanto com mais riscos.
Tapar, esconder a degradação. Alegadamente este aspecto
nunca foi considerado numa perspectiva de redução de riscos, mas porventura de
tirar das vistas dos transeuntes as cenas de consumo à vista. É a repressão
material de consumidores, feita alegadamente por ignorantes na dimensão e na condição
psicossocial. Não será uma evidencia dos interesses geopolíticos e económicos,
em detrimento dos interesses sanitários e sociais?
Nessas largas dezenas de espaços, áreas de consumo aberto,
“sala” locais de consumo, desde 2000 a 2021, não foi difícil, nem é difícil encontrar
materiais usados para o consumo e ali abandonados (de unidades até a largas
centenas). Vimos e vemos seringas usadas até ensanguentadas, agulhas também,
colheres, toalhetes com sangue, tubos de plástico, cachimbos artesanais
(garrafa ou lata), para fumar coca base, crack, para além dos sacos de plástico
dos kits, que, finalmente agora são de papel.
E claro que preservativos abandonados sem uso, são às centenas e
centenas de dezenas. Numa visita durante uma hora recolhemos 500 preservativos
masculinos por usar, espalhados por diversas áreas de consumo, abandonados.
Este abandono é um dos aspectos que evidencia carências na qualidade de
trabalho preventivo, mas eficácia da distribuição. Entrega estatisticamente significativa,
porventura excelente até, para quem os vende para abastecer os kit.
Estamos conhecedores e habituados a que, por vezes na mesma
caixa do correio coloquem, despachem muitos flyers da mesma publicidade. Conta
a estatística. Mas tantos preservativos não usados e abandonados no chão, só
por medíocre ou má solução. Se desejar veja o vídeo de outrora, de há 4 anos,
mas também pode ir ver agora, antes de eventual limpeza, bloqueio ou mudança,
alegada coincidência ocorrida quando publicamos imagens de inconvenientes
realidades[2].
Em Lisboa e de manhã, em Dia de S João e 16 anos depois da publicação da Lei de Redução de Riscos, fomos de visita a lugares de consumo, acompanhado por jovem psicóloga, que ficou profundamente admirada ou chocada, e conclui que “nos locais vemos que a realidade é diferente daquela que nos é transmitida” (Leocádia Lacerda). Visita ao Casal Ventoso, Lisboa, dia 24 de Junho de 2017 Por Leocádia Lacerda, psicóloga
Pela primeira vez tive
contacto com o mundo da toxicodependência. A ida ao terreno infelizmente
correspondeu à ideia que tinha de quando era adolescente e via reportagens
sobre o mundo da droga. As imagens que então nos chegavam através da televisão,
correspondem ao que vi hoje passado mais de 15 anos…sendo surreal as condições
nos locais onde os toxicodependentes consomem. Espaços na rua, em edifícios
abandonados, onde se verifica existir uma quantidade descomunal de seringas
usadas, preservativos não usados, ou seja, dos kit’s espalhados e podemos
verificar o desperdício de preservativos e chegar a conclusão que o trabalho de
prevenção não está a ser feito com qualidade como é transmitido por alguns
órgãos de comunicação social, assim como a diminuição do consumo. Nesta manhã
de 24 de Junho de 2017, enquanto recolhia preservativos juntamente com o Dr.
Luís Patrício, passou por nós um consumidor que nos deu a saudação e foi para
uma outra área de consumo pelo que não avançamos mais por aí. Já noutro local de
consumo fomos abordados por um consumidor que esperou que saíssemos com
centenas de preservativos já recolhidos, para poder ir para o seu local e
consumir. A degradação continua, dos consumidores, dos espaços, da falta de
condições higiénicas, da falta de prevenção. É uma realidade triste e não pode
ser escondida por vergonha ou por interesses. Desta experiência ficam as
imagens que me marcaram de sítios onde ninguém quer estar e quem está, está por
não ter outras opções… E fica o pensamento de vivermos numa sociedade em que se
ilude as pessoas de que está tudo bem, que se trabalha para um futuro melhor,
mas não, a realidade é bem mais triste e deprimente.
Regularmente, desde há anos, publicamos imagens, fotos e vídeos sobre estes locais de consumo em cena aberta[3] e que podem ser visualizadas pela web em
Nessas imagens também de vê a abundância (inúmeras centenas) de seringas e agulhas que não foram recolhidas, ameaça â Saúde Pública e a abundância de preservativos masculinos (inúmeros milhares), não usados abandonados, desperdiçados. Se quatro anos de desperdício já seria mau, dez anos seria péssimo, vinte e um é um escândalo, traduz incompetência ou desconhecimento / ignorância.
Menos
visível, e pelo que oiço no meu trabalho, é o que, alegadamente se passa no consumo de cocaína nos
WC, em dezenas de WC de estabelecimentos comerciais de diversão e bares, cujo
sustento se apoio no intenso consumo de álcool associado a cocaína.
Com as limitações provocadas pelo confinamento, pessoas que iam aos locais conhecidos comprar o produto ilegal, passaram a encomendar por telemóvel e a receber a por entrega numa rua da área onde moram (o que não é novidade), ou até mesmo à porta do prédio e até mesmo em casa, no apartamento (o que não era comum). Alguns ou muitos entregadores não entregam só pizas…
Abunda
a falta de informação para os consumidores, agravando as carências em redução
de riscos. Felizmente de há muito que se entregam kit de redução de riscos. O
que é fundamental.
Mas, onde tal entrega aconteça ser feita despachando, kits, apenas como sendo para
estatística…. Apenas despachar é actitude incompetente, é imoral.
Entregar
ou oferecer exige experiência e leva tempo. Faz-se para desenvolver a
aproximação e mobilização para real redução de bastantes comportamentos de
risco. E também para eventual mobilização real para tratamento. Não se despacha
material nem pessoas. Quem seja
profissional e tenha formação e seja competente faz muito mais do que entregas
para a estatística.
Mas só pode fazer quem sabe, quem foi ensinado. Não ensina, nem o bem quem foi ensebado. Só pode ensinar de verdade quem aprendeu e não quem apenas ocupe um lugar, como se…
Uma
máquina de troca de seringas resolvia a entrega 24 h por dia. E Portugal, 18
anos depois da divulgação que então fizemos, porque então aprendemos, Portugal
continua sem ter uma que seja…
Para
quem injecta comprimidos Portugal continua a não facultar filtros próprios que
ajudam a reduzir riscos inerentes a exta forma de consumo.
Nem
tão pouco faculta garrotes
No âmbito do tratamento dos doentes as
dificuldades são evidentes e crescentes.
Muitos
doentes estão sub medicados, seja com metadona, buprenorfina, ou outros
medicamentos.
Muitos
tomam medicamentos, que alegadamente são escolhidos, decididos por não médico,
nomeadamente por psicólogo e até assistente social, ou outro membro de alguma
equipa. Alegadamente alguns profissionais não médicos induzem a escolha ou
escolhem o medicamento a tomar. E alegadamente indicam as doses a tomar e
também, alegadamente a duração do tratamento medicamentoso.
E
alegadamente haverá quem não médico use o código médico (a assinatura
digital), para preenchimento de
receituário do Sistema Nacional de Saúde com responsabilidade de receita médica
obrigatório.
É
bem verdade que na prescrição por receita médica, apenas consta a assinatura do
prescritor, e não do médico…
O
mau uso, abuso de certos medicamentos de responsabilidade médica obrigatória e
o desvio para o mercado dito negro, de rua, a preços baixos ( ex 70 cêntimos
Dormicum® ou 50centimos Rivotril®) ou a preços elevados (exemplo 5€ ou 7€ ou 10
€ ou mais até por um comprimido de 8mg de buprenorfina, genérico ou original
Subutex®, ou 6€ euros por frasco ou
saqueta de 40 mg de metadona (exclusivo do Ministério da Saúde, distribuído
gratuitamente por alguns serviços do Ministério da Saúde que autoriza a
distribuição a algumas ONG ou IPSS convencionadas.
Verdade
da realidade: o SNS também subsidia parcialmente alguns medicamentos que
vendidos a retalho dão assim razoável lucro ao vendedor. E sendo a metadona, ou
outro medicamento subsidiado na totalidade, com a sua venda o lucro é toral.
Com
estes negócios muitos doentes conseguem algum dinheiro para pagar a cocaína que
também consomem. Deste modo todos, doentes e terapeutas, se colocam num baixo
limiar de exigência: isto basta para se manterem nesse desequilíbrio, muitas
vezes sem terem consultas médicas, nem para avaliação, sem terem apoio, nem
avaliação de enfermagem.
Este
assunto marginal tem sido objecto de várias publicações. Aqui coloco o exemplo
de há 4 anos.
Serviços de Tratamento
Ambulatório em consulta, para doentes com elevado patamar de exigência,
mobilizados para se tratar, chamado Alto Limiar, ficam sem doentes que derivam
para a rua e ou para outros serviços de acesso facilitado.
Serviços de Apoio e Redução de Riscos,
com acesso facilitado para doentes de Baixo limiar de exigência face ao
Tratamento, recebem estes doentes e deviam fazer uma mobilização bem conseguida,
para os enviar para tratamento, e não desistir e ficar por essa pobre
manutenção.
Alegadamente, haverá serviços em
que, quando existe avaliação, nem sempre é um médico quem faz a chamada
avaliação médica do doente. Será então, alegadamente, um não médico quem avalia
e que faz como sabe com o que sabe. Há quem alegadamente denomine esta
actividade usurpação de funções.
Há funções que apenas podem ser
feitas por Médico ou por Enfermeiro, o que alegadamente nem sempre acontece
onde alegadamente nunca devia ser tolerado acontecer: alegadamente serviços do Ministério da
Saúde ou por ele protocolados e subsidiados.
Não será raro serem feitas alterações
ou mais marcações de consultas, sem conhecimento de quem vai fazer o trabalho.
Também não é rara a falta de
condições para fazer um trabalho clínico de qualidade, bem como a ausência de
supervisão, nomeadamente competente, feita por quem tenha competência.
Predomina a procura da estatística em detrimento da qualidade clínica e do
estudo. Há, alegadamente doentes submedicados, sem terem consulta médica desde
há muitos meses, mas recebendo medicação de prescrição médica obrigatória. E,
alegadamente, há quem receba consulta médica, “ocasional”, espaçada e no ritmo
de “oito doentes consultados por hora”.
Pude ouvir de quem trabalha: “Não
é uma equipa interdisciplinar, é inter-administrativa e mandam…”
E mais de uma vez, aqui e ali, tenho ouvido dito por quem trabalha: “Se pudesse saía”; “só estou à espera de atingir a idade para a reforma sem me penalizar”; saudades de quando havia reuniões clínicas; quem não lhes agrade fica de lado”.
O receio é uma realidade: “Se
me mudarem de local de trabalho, e podem, estrago a minha vida toda. É melhor
nada dizer”.
Para melhor ilustrar a situação,
convidámos alguns profissionais para partilharem aqui o que, em sua opinião
mudou em Portugal nos últimos quatro anos.
Houve quem não reagisse ao
convite, houve quem manifestasse concordar com o tema mas, não respondesse, houve
quem respondesse sob anonimato ou sob pseudónimo, e quem assinasse a
opinião.
Aqui partilhamos os conteúdos
que recebemos por escrito, muito agradecendo a participação de todos, autêntico
serviço público que poderá contribuir para melhorar o trabalho feito para servir
os doentes.
Aqui destacamos uma síntese de alguns
dos comentários recebidos, sobre os últimos quatro anos.
Grave abuso de
medicamentos Metadona, Buprenorfina e Benzodiazepinas
De um ponto de vista
estritamente clínico, não foram muitas as mudanças.
Houve aumento do
consumo de heroína, entre gente mais nova, mas, mais importante e mais grave, é
o abuso de medicamentos de prescrição médica obrigatória: Metadona,
Buprenorfina e Benzodiazepinas
Desde março de 2020 até
a data, houve mudanças resultantes de pandemia que vivemos.
Durante as fases mais
restritivas da atual pandemia, o número de recaídas, aumentou, sobretudo, na
dependência alcoólica, mas, paradoxalmente, o número de sucessos terapêuticos,
também penso ter aumentado.
Médico. Norte
Nem sei que dizer...
Nem sei que dizer... nesta pequena e espontânea análise.
Não há partilha entre os vários agentes. Não há encontros
para aferir do estado da arte...
Novos utentes não há. Os utentes em Metadona estão velhos
e cada vez mais de baixíssimo limiar.
Nada sabemos de prevenção primária.
Quanto à minimização de danos só sabemos de algo, quando
as equipas de rua já perderam completamente o controle.
A cocaína tomou conta de uma grande parte de jovens
pequenos e médios empresários da casa dos 35 a 50 anos com desorganização
completas das suas personalidades.
Muito importante é prevenir e cuidar dos efeitos
deletérios do consumo sistemático de benzodiazepinas
Por último, cada vez me é mais evidente a necessidade de
psiquiatras e psicólogos, estarem atentos aos sinais ténues da psicopatologia
subjacente aos inícios dos consumos.
António Luís. Centro
Assédio laboral,
circula nas instituições
Reflectindo sobre os últimos 4 anos nos tratamentos das
dependências
Incongruência .... Regras dos tratamentos não são
respeitadas por significativo número de doentes, … ficando… à la carte da
decisão dos profissionais.
Violência.... Ameaça à integridade física de
profissionais, por utentes..., impunes quase intocáveis. Grande parte dos utentes
trazem armas brancas.
Por outro lado, o bullyng /assédio laboral, circula nas
instituições, levando profissionais a adoecer. Reacção adaptativa ao "sem
eira nem beira" com que estas instituições estão contaminadas.
Conclusão – Nestes locais de trabalho que existem para
tratar pessoas com problemas psiquiátricos psicológicos e não apenas um
problema social, existem profissionais que não têm condições de trabalho
dignas, redundando a abordagem clínica dos comportamentos aditivos, na
supremacia da resposta geopolítica sobre a resposta sanitária e social.
Obrigado por mais um desafio
“Maria”, Psicóloga . Norte
Pandemia - resiliência
dos profissionais
O difícil enquadramento gerado pela situação de pandemia
teve impacto imediato no processo de tratamento e reinserção, sendo visível a
queda na atividade programada… os serviços em teletrabalho, limitaram os
atendimentos presenciais, encaminhamentos e articulações.
… As limitações físicas modificaram a forma como estamos
disponíveis para os utentes e suas famílias. A saúde mental degradou-se, o
isolamento e estados depressivos aumentaram. … Também … pedidos para tratamento
de problemas ligados ao consumo de heroína, canábis e benzodiazepinas.
Houve uma ligeira redução dos pedidos de acompanhamento…
um aumento nos pedidos de … readmissões,
… limitações nos
encaminhamentos para a comunidade...
… o fecho das Unidades em regime de internamento de curta
duração… e de longa duração…, foram limitadoras e … uma fase muito complicada.
A instabilidade socio económica … fragilizou ainda mais
esta população, o que levou … a depender economicamente da família e por outro
lado, a práticas/atividades ilícitas… ilegalidades e… problemas judiciais ou a
colocar a sua saúde em risco.
Conclusões
… Apesar do desgaste psicológico e físico, a falta de
resposta institucional e empresarial, o empenho e gosto profissional, a vontade
e disposição de escuta, acolhimento e vontade de apoiar na construção do
projeto de vida de cada um mantém-se, bem como em participar nas iniciativas
que o serviço possa vir a proporcionar.
Paula Pinto Assistente Social . Centro
Tínhamos
Tínhamos, no Centro de Saúde, reuniões bimensais… Até
Março /2021
Tínhamos uma relação boa com as Escolas onde
trabalhávamos em Educação para a Saude com professores e alunos. Desde há 5
anos essa parceria acabou por problemas burocráticos… Antes o contacto era
directo professor/médico, era rápido simples e eficiente.
O consumo de canábis e álcool nas escolas, apesar de
todos os controlos de segurança, continuam a ser uma realidade (escondida?
Porquê?).
… Apesar de parecer que andamos a “pregar no deserto
“desde 1991, continuamos a insistir e a trabalhar.
JB Médico de Família. Margem Sul do Tejo
Desilusão total... o
necessário são números
Aqui não senti diferenças. Antes pelo contrário um grande
retro cerco na intervenção ao nível das dependências. Ficamos a ser mais um
número no sistema e a qualificação pouco valorizada. Muitos artigos publicados
(alguém estará a pensar num cargo na política?). Desilusão total.... o
necessário são números, tenham eles a qualidade que tiverem. Longe vai o tempo
em que se trabalhava a pensar em equipa e a pensar na resolução das
problemáticas para as quais trabalhávamos. Hoje não. O trabalho é de
secretária. O campo de trabalho existe, mas, por parceiros para os quais
trabalhamos. A resposta? Uma desilusão. Desculpe o desabafo. É suma resposta. Dou a cara, mas não é
preciso aceitar. Um Abraço Agradeço o pedido do meu contributo. Contudo ele não
é muito positivo.
Maria, Técnica Psicossocial. Norte
Equipas desmotivadas
Exemplos paradigmáticos de como anda a Prevenção.
Contava-me há poucos meses uma adolescente de 16 anos que
nas duas escolas públicas em que foi aluna teve ações formativas sobre
sexualidade, mas não sobre substâncias psicoativas de abuso e dependência. E,
no entanto, em ambas se consome cannabis descaradamente. É a crescente
banalização do consumo de haxixe e álcool. Nos jardins públicos, junto até de
agentes da Polícia, que fazem vista grossa, já observei.
Claro que na área do Tratamento aumentou
significativamente a procura deste só pelo consumo de cannabis, pelos seus
efeitos perturbadores, chegando por vezes à descompensação psicótica.
As equipas de tratamento estão muito mais reduzidas, com
a aposentação e a não substituição de técnicos. E desmotivadas. Com a contínua
e agravada falta de condições de trabalho.
Quanto à Reinserção, continua sendo o parente pobre,
agora mais ainda. Revela a pobreza de espírito da atual irresponsabilidade
cívica e social.
Só a área de Redução de Riscos e Minimização de Danos
melhorou. Abertura da sala de consumo assistido e sobretudo o empenho e
dedicação dos profissionais envolvidos, com os quais contacto, e pelo que
constato através dos utentes.
Ana Paula Moita, Psicóloga Clínica e da
Saúde/Psicoterapeuta, em Lisboa, há 43 anos.
Verdades e realidades.
Possibilidades, promessas e droga de realidades
Desde há VINTE ANOS, que a Lei publicada então (2001), permite
a criação legal de salas de Consumo assistido, uma das respostas previstas, nas
nove áreas então legisladas em Redução de Riscos.
Honro-me de ter liderado a equipa de trabalho e de ter
assinado o documento final com os pressupostos técnicos para a elaboração dessa
lei e que entreguei ao governo, presidido pelo Eng. António Guterres.
Honro-me do que foi feito com algumas das respostas
realizadas.
Lamento a pequena dimensão usada com outras respostas
legisladas.
Tenho vergonha, como profissional e como português, da
negação prolongada de criação de respostas previstas como importantes em Saúde
Pública: salas de consumo com menos riscos.
Para melhor entendimento passarei a explicar.
Honro-me da legislação que permitiu aumentar muito, por todo o Pais, algumas respostas em áreas de intervenção directa em Redução de Riscos, como seja as Equipas de Rua e os Programas de Baixo Limiar.
Lamento a pequena dimensão no uso de respostas
legisladas, como seja o testing, cuja aplicação na realidade dos eventos
de consumo, tem sido frágil e proporcionalmente até caricata. Durante estes
vinte anos de lei em vigor, foram feitos por consumidores e por vontade própria,
largos e largos milhares de consumos de substâncias desconhecidas, e ou de
qualidade mal conhecida.
Estes consumos aconteceram na verdade, na realidade. E assim continua a acontecer este uso já costumeiro, em usos ditos recreativos, em casa, nas festas e concertos, e nos pequenos e megafestivais, legais e ilegais. Perante tanto consumo, é proporcionalmente reduzida o número de locais para fazer o testing. E também muito reduzida a disponibilidade de serviços para tal tarefa de redução de riscos e a disponibilidade dos consumidores (pouco e mal informados). Assim, perante as realidades da totalidade de consumos cegos realizados durante 20 anos, é paupérrimo muitíssimo menos, caricato até, o número de testes realizados como estratégia legal de Redução de Riscos.
E o caricato ficou agravado e passou a escandaloso com as
doenças, os graves danos físicos, psíquicos provocados até a menores de idade, a
jovens adolescentes, que necessitaram de internamentos forçados por estarem em
sofrimento psicótico agudo. Assim, aconteceu.
Esta realidade foi sucedendo em Portugal: brutal aumento
do consumo de substâncias desconhecidas, e consequente e declarado aumento dos
danos provocados em consumidores e suas famílias. Tudo foi acontecendo de 2007
a 2013, acompanhando o crescimento do comércio legal de substâncias sintéticas
desconhecidas, vendidas em estabelecimentos em rede criados pelo país real, por
Portugal continental e Regiões Autónomas. Tal foi a dimensão e escândalo, que,
por exemplo, a Região Autónoma da Madeira procurou criar legislação defensiva
própria, antes da criação da legislação de dimensão nacional.
Preocupações para muitos, tragédias para muitos mais
Tragédias para muitos consumidores e para famílias,
preocupações para muitos profissionais de saúde chamados a tratar estes
doentes, ou a prevenir riscos, preocupações para muitas autoridades policiais
chamadas para intervir nas crises, intervenções para controlo de perturbações
sociais.
Muitos danos ocorreram e por vezes muito graves, mas nem todos foram conhecidos nem, alegadamente de profissionais de saúde que muito teriam para aprender. Outros, alegadamente com consequências muitos graves não terão sido esclarecidos.
Depois da ilegalização das lojas de comercio legal, o
assunto diluiu-se na preocupação dita nacional oficial.
Mas, ainda que em muito menor dimensão, as questões
continuam, pelo consumo após venda/compra directa agora ilegal, e pelo
abastecimento por internet e com entrega postal.
Quanto à qualidade, ignorância.
Quanto à Prevenção, seguramente muito assimétrica em
regularidade e qualidade.
Quanto à quantidade pouca, reduzida ou até nula, e
alegadamente sem importância.
Quanto às consequências de gestão política sanitária, porventura sem consequências nas responsabilidades, sem mudanças na avaliação de responsabilidade responsáveis. Porventura até talvez o risco de elogios e promoções.
Envergonho-me do que não foi feito em Portugal. Considero
vergonhoso e inexplicável o atraso no âmbito das salas de consumo de menos
risco.
Depois de vários anúncios anunciados e de novo falhados,
em 2020 foi criada, Salas de Consumo Assistido.
A primeira talvez não tenha sido bem a primeira.
Recordo-me que perguntei a um colega, dirigente de uma ONG designada com
responsável por uma sala de consumo, se nessa estrutura anunciada, se fazia
consumo injectado e se dispunham de Naloxona em spray, medicamento
indispensável usado para fazer reverter um estado de coma provocado por
opiáceos. Percebi ter ouvido dizer que não, que ainda não, mas iria haver. E
perguntei se já havia consumo injectado, como alegadamente fora anunciado nos média
e foi dito que ainda não. Fiquei esclarecido sobre a confusão de um não
funcionamento, Faz-se mas ainda não é feito. Na confusão
não poder ficar claramente esclarecido. Isto é: mediaticamente abriu,
funciona, mas não funciona para o que abriu.
... continua...
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