Março 2014
O doente tem muita razão
O que se passou em Portugal não devia ter acontecido. Portugal
também foi alertado. Não devia acontecer o que aconteceu. Os serviços
responsáveis falharam. Apesar de avisados, não houve antecipação que tenha oportunamente
resultado de forma eficaz. Por isso Portugal viveu um período libertário de oferta, acompanhado ou de ingenuidade ou
de enorme ignorância sobre o consumo.
Falhámos, porque falhou em devido tempo a Prevenção na Redução da Procura e a Prevenção no Controlo da Oferta. Será
que houve a tentação de assobiar para o
ar e dizer como antigamente que, “a culpa é de quem consome”?
Em Portugal muitos profissionais de saúde que trabalham
com os doentes foram confrontados com situações clínicas para as quais não
estavam preparados.
Os políticos mudaram a lei e naturalmente regrediu imenso
a oferta e o consumo. Mas a Internet facilita a oferta e o consumo cego
mantém-se, como bem sabe quem trabalha com doentes. Não deixam de adoecer
pessoas por consumirem o que não se sabe o que é, nem de onde vem.
Mas os consumidores têm o direito de saber a verdade
sobre o que lhes é proposto para consumir. Consomem o que consomem mas, em
termos de conteúdo, desconhecem a sua verdadeira composição. Algumas pessoas
consumidoras julgam-se bem informadas, mas sabemos que não dispõem de informação
rigorosa.
Quem é profissional e procura ser competente, quem
entende de saúde e sabe o que se passa, tem obrigação de partilhar o que sabe. E
se não sabe o que se passa, mas é responsável, deve mandar investigar e
difundir os resultados em tempo útil. Não partilhar é ser cúmplice na promoção
do comportamento de risco.
Quem trata pessoas que adoeceram por terem consumido substâncias psicoactivas, tem necessidade de saber o que está disponível, cientificamente, saber o que foi consumido para melhor tratar quem adoeceu, e para melhor procurar prevenir a recaída e tratar as comorbilidades.
Ainda há pessoas que consomem estas substâncias e que, quando
adoecem contactam com serviços de saúde, para receberem tratamento. Em Portugal
porque a lei mudou, a pressão quantitativa da oferta foi reduzida, mas a ignorância quantitativa e qualitativa ainda
é inaceitável. É preciso ir mais longe, aprofundar, saber mais, para melhor
actuar na defesa da saúde.
IV Congresso Nacional
I Encontro Ibero-Brasileiro de Patologia Dual
e Comportamentos Aditivos
Associação Portuguesa de Patologia Dual
Sociedade Espanhola de Patologia Dual
Associação Brasileira de Psiquiatria
Mesa redonda dia 6 Março 2014
NOVAS SUBSTÂNCIAS SINTÉTICAS EM PORTUGAL.
O QUE VIMOS E DOENTES QUE TRATÁMOS
Neste mês, em Coimbra tivemos oportunidade de mais uma
vez reunir com colegas portugueses que têm experiência de trabalho real nestas
áreas. Aconteceu no Congresso de Patologia Dual, para o qual propusemos e foi aceite a mesa redonda NOVAS
SUBSTÂNCIAS SINTÉTICAS EM PORTUGAL. O QUE VIMOS E DOENTES QUE TRATÁMOS e onde
apresentámos o vídeo SMART DRUGS, Adição, Transtorno de ansiedade & CRÍTICA SOCIAL, que ilustra esta reflexão. Convidámos colegas também
pioneiros e com muita experiência e outros mais jovens e com menos experiência.
Se é legal, não faz mal
Dr.ª Rita Teixeira, Dra. Georgina Maia, Serviço
de Psiquiatria da Infância e Adolescência do C. H. Lisboa Ocidental
Perfil e quadros clínicos de doentes com história de consumo injetável prolongado de mefedrona e similares
Dr. Licínio Santos, Médico Psiquiatra, Dr. Nélio Mendonça, Unidade de Tratamento de Toxicodependência do Serviço de Psiquiatria do Hospital Funchal, Portugal
Novas
substâncias e o internamento
Dr.ª Luísa Mendes, Médica Psiquiatra, Coordenadora do Internamento da UD, Centro das Taipas, Lisboa, Portugal
Dra. Cláudia Reis, Médica Interna de Psiquiatria, Hospital São Francisco Xavier, Lisboa, Portugal
Dr. Lucas Manarte, Médico Interno de Psiquiatria, Serviço de Psiquiatria, Hospital de Santa Maria, Lisboa
Dr.ª Luísa Mendes, Médica Psiquiatra, Coordenadora do Internamento da UD, Centro das Taipas, Lisboa, Portugal
Dra. Cláudia Reis, Médica Interna de Psiquiatria, Hospital São Francisco Xavier, Lisboa, Portugal
Dr. Lucas Manarte, Médico Interno de Psiquiatria, Serviço de Psiquiatria, Hospital de Santa Maria, Lisboa
A todos estes colegas convidados muito agradeço a preciosa
colaboração na partilha da sua experiência.
Nova preocupação?
A preocupação pelo mau uso de substâncias sintéticas não
é um acontecimento novo entre nós. Foi há 20 anos em Filadélfia que pesquisei, recolhi e paguei, para trazer para Portugal,
documentação sobre substâncias sintéticas, nomeadamente MDMA. Ofereci a colegas,
até como estimulo para uma comunicação. Durante os anos 90, com a ajuda de
muitos portugueses e também com colegas estrangeiros, em múltiplas ocasiões promovemos
o estudo a partilha do saber. Já no início deste século, a progressão de oferta de novas substâncias sintéticas
estava a ter um incremento significativo. Em 2004 no Encontro das Taipas, (um dos
vinte e um que organizámos de 1988 a 2008), tomámos a iniciativa de revisitar e actualizar a formação em Substâncias Sintéticas, uma vez mais com âmbito
internacional. E em 2009 e já a título pessoal, levámos para a América Latina a
partilha da formação específica sobre substâncias sintéticas, apoiada na Mala
da Prevenção.
Estar atento, agir ou
reagir
Na Europa houve países onde não se instalaram smart shops, local de oferta de novas substâncias sintéticas. E
na Europa houve países onde antes de 2010, adoeceram e morreram pessoas que
consumiram novas substâncias sintéticas. E houve países que de forma célere
ilegalizaram essa oferta.
Mas em Portugal aconteceu a oferta, onde em cada local, compradores se fidelizaram como
consumidores.
Faz em Maio 4 anos, que foi publicado para o mundo, o
alerta das estruturas oficiais da União Europeia. O comunicado saiu em 2010 do
OEDT, Observatório sediado em Lisboa, (News release No 4/2010).
Em Portugal, depois de 2010 também morreram pessoas que
presumivelmente terão consumido novas substâncias. E em Portugal adoeceram,
muitas, muitas mais. Muitas famílias ficaram muito sofridas, magoadas. Muitas
continuam inquietas.
Em Portugal a reacção foi lenta e insuficiente na defesa
da saúde. Estamos em 2014 e sabemos que pelo país, e até nos grandes centros,
muitos profissionais de saúde continuam sem saber o que fazer, como fazer. A
experiência clinica de profissionais da Madeira, bem como a de alguns profissionais
do continente, sendo mais aprofundada pela pressão para tratamento, ainda não
mereceu a atenção de quem precisa de ouvir para aprender para melhor fazer. E
os danos não deixam de acontecer.
Quem são os responsáveis pela falta de conhecimentos,
quem foi responsabilizado pelo libertário pseudo paraíso da oferta e procura? Antigamente dizia-se que a culpa era de quem consumia, o drogado. Quem pouco ou nada souber de
Aditologia dirá: se morreu, não tivesse consumido, a culpa é do morto.
Conheço quem consumiu e reclame. “Para fugir aos ambientes dos dealers, comprei produto legal, paguei
IVA, consumi e adoeci quando apenas me queria divertir”.
Esta realidade evidencia
quanto falhou a Prevenção, a estratégia. E para tratar quem adoece têm que ser
gastos recursos. E para fazer bem o tratamento necessário, é preciso que também
haja a necessária competência.
Será que no âmbito de novas substâncias sintéticas reconhecidas
em 2007, oficialmente e internacionalmente denunciadas 2010, ilegalizadas em
Inglaterra em 2010, ilegalizadas em Portugal em 2013, continuaremos como
antigamente, denegando carências e erros evitáveis?
Será que, tal como no álcool em abuso, no uso de canábis
em expansão, no abuso de cocaína, no mau uso de medicamentos, nas crescentes adições
sem substância, continuaremos denegando desde há cerca de uma dezena de anos, carências
e erros evitáveis?
“Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”
A ignorância e a arrogância são malignas. Com uma
imprensa boa, com influências em poderes dos momentos, podem-se enganar
políticos, famílias e boas pessoas, mas não se enganam nem os doentes, nem todos
profissionais que trabalham com doentes.
Aprendemos e transmitimos que a partilha do conhecimento
aproxima as pessoas, pelo que, se souber do tema, se estiver preocupado, não deixe
de partilhar o que sabe. Fale, escreva, não tenha nem vergonha, nem medo.
Se durante este século progressivamente voltou a ter
medo, diga o que pensa da qualidade em perda desde há anos, volte a perder o
medo. Assumamos que nestes anos de século XXI não somos tecnicamente aquele exemplo
que a propaganda fez… “querer”.
Fale-se da realidade com verdade.
Continuando a ignorar agravamos a situação. Partilhando
aprendemos.
Haja muito mais saúde e muito mais responsabilidade.
Luís Patrício
PS: Para quem não sabe, em 2009 a MALA da PREVENÇÃO colaborou
na formação de formadores no âmbito das Drogas
Sintéticas, nos países da Comunidade Andina de Nações, Peru, Bolívia,
Equador, Colômbia, no programa DROSICAM, com apoio da EU.
Em síntese no You Tube perceba o que se passou:
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirExcelente! Pena que esta candeia (mala) que vai à frente não possa iluminar duas ou mais vezes.
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