MAU USO DE INTERNET - DROGA DE ATITUDE

INTERNET  MAU USO  -  DROGA DE ATITUDE

André Julião, jornalista do Jornal SOL, publicou um artigo sobre Abuso de Internet e que foi intitulado 

Viciados na net: o lado negro da era digital     http://sol.pt/noticia/386295

Para este trabalho contribui com as respostas às perguntas do jornalista André Julião. E para conhecimento dos leitores interessados e com o acordo do jornalista aqui publico as minhas respostas

PERGUNTAS  E  RESPOSTAS 

1 - Tem muitos pacientes com problemas de adição à Internet, videojogos e afins?

As dificuldades relacionadas com o mau uso de internet têm aumentado com o aumento da oferta. Há doentes que referem essas dificuldades. Não são muitos os que pedem ajuda, mas vêm sendo cada vez mais.

2 - Quais os seus principais sintomas e problemas?

Constante preocupação por estar on line, evitar dizer ou mentir acerca do tempo que passa navegando, mentir sobre o conteúdo do que vê.

Redução do tempo de sono, ou inversão do ritmo do sono.

Destaca-se o desejo permanente de estar a utilizar, manipular o computador. Esse comportamento absorvente interfere no que era a vida normal da pessoa provocando mudanças drásticas nos hábitos de vida do consumidor.

Não é raro observar-se que existe uma importante diminuição da actividade física do consumidor abusivo, que passa horas e horas sentado. As dores nas costas podem surgir.

Não é raro que o consumidor sofra de patologia da ansiedade ou do humor. Não é raro que o seu comportamento cause ansiedade em membros da sua família, em seus amigos. A actividade laboral, escolar, e a vida social na realidade, podem ser desinvestidas, perdem importância para o consumidor. O isolamento social aumenta e aumenta a necessidade de escapar à realidade e à perda da auto-estima, muitas vezes associada também ao aumento de peso.

O mau uso de internet pode ser uma forma de escapar da realidade concreta, vivencia do real, para o refúgio no virtual. Quanto mais rápida, mais atraente se torna.

A internet é um universo por onde se circula, por vias muito rápidas de acesso e de transporte de mensagens ou produtos virtuais. Destes as compras, o jogo e o sexo, são bastante frequentes.

Há quem pense que na net se circula de uma forma livre e invisível, mas estas garantias não são absolutas.

3 - Que tipo de problemáticas essa adição provoca ao nível da sua vida familiar, social e estudantil?

O consumo de mau uso e abuso de internet quando interfere com a habitual e esperada interacção pode ser fonte de preocupação para familiares, amigos e entidade patronal de quem consome. A Internet pode afastar o utilizador das pessoas com quem vive ou convive na proximidade física e espacial.

A desorganização aumenta, o comportamento é intolerado, os conflitos exacerbam-se, a ruptura pode acontecer.

4 - Tem tido alguns casos extremos?

Aqui recordo alguns casos

Homem adulto, funcionário. Na sua repartição usava o tempo de trabalho para comunicar com quem não conhecia, interpretando essa actividade, de forma delirante, como trabalho. Assim se manteve, protegido, sem tratamento por quase um ano.

Estudante universitário que esteve dois anos “parado”. Simulava sair para a universidade e chegar da universidade. Passava o dia e parte da noite, fechado em seu quarto.

Estudante liceal, que faltava às aulas, para se refugiar no quarto e no computador por horas consecutivas. Saí a para ir ao WC e pouco mais.

Homem adulto que desorganizou a vida e responsabilidades familiares e profissionais, pelo abuso de redes sociais e comportamentos daí decorrentes.

5 - Este problema já é alvo de atenção em vários países europeus e norte-americanos há algum tempo. Tem estado a agravar-se em Portugal?

Considero que sim, nomeadamente entre alunos jovens e menos acompanhados.

6 - Quais as terapêuticas utilizadas para tratar esta dependência, se assim lhe podemos chamar?

Podem ser utilizados medicamentos apar tratar a sintomatologia depressiva muitas vezes existente, a perturbação da ansiedade muitas vezes existente, a sintomatologia psicótica com alterações da percepção da realidade, a impulsividade, etc.

O apoio psicoterapêutico, a aprendizagem de novos comportamentos, é também muito importante.

7 - Quanto tempo pode demorar uma terapêutica deste género a dar frutos?

A melhoria do humor deve acontecer durante a 3ª e 4ª semana de tratamento.

8 - E quanto pode custar?

Depende do preço das consultas, do tratamento ser feito em regime de internamento completo ou em área de dia e do preço dos medicamentos receitados.

No âmbito privado e em regime de Internamento ou de Área de Dia, e ambulatório, os doentes podem ser tratados na Unidade de Aditologia e Patologia Dual da Casa de Saúde de Carnaxide.

Há resposta para o problema ao nível dos serviços públicos?

Em Patologia Dual, existe em Coimbra nos hospitais da Universidade a Unidade de Patologia Dual. Polo Sobral Cid – CHUC, pioneira em Portugal.

9 - Que conselhos daria aos pais para tentar prevenir este tipo de situações?

Educar. Aprender para educar e praticar a educação para a saúde, bem-estar individual, familiar, social, comunitário, ambiental. Educar muito, imenso e bem até aos 10 anos. Saber colocar limites e saber fazer respeitar limites. E, claro também depois dos 10 também.

Ensinar a pensar, a escolher, a crescer, a escolher. Ensinar a pensar.

E aos jovens e crianças?

Vamos aprender a saber usar, para promover o saber e o bem-estar, fora de patamar de risco.

Do meu programa de 2011 na RTP Antena 1 Causas Públicas Dependências, destaco

·          Não deixar de fazer o que é importante para a sua vida

·          Estar acompanhado por uma pessoa que goste de si

·          Interromper cada hora de utilização e fazer exercício físico

·          No uso recreativo não passar de duas horas por dia

·          Não jogar mais de 30 a 90 minutos por dia

·          Jogar com diferentes amigos e não jogar sozinho

·          Fazer pausas frequentes

·          Rejeitar temas de violência

No meu livro mais recente Politicas e Dependências (Editora VEGA), Nov 2014,  também abordo o abuso de internet, no capítulo 10 sobre dependências sem substâncias

10 - Pensa que se justificariam acções de prevenção, a nível nacional, por parte do Estado, em relação a este problema?

Obviamente. Mas é preciso que quem trabalhe tenha competências

O que foi feito, … ainda bem.

Que não foi feito… e havendo necessidade que se reconhece… Enfim, tamanho atraso se existe, é uma vergonha para quem o tenha.

Prevenir é antecipar.

Fiz na RTP Antena 1, de 2007 a 2013, semanalmente com Filomena Crespo, a rubrica Dependências. Por diversas ocasiões abordámos este assunto.