Livro ÁLCOOL, CANÁBIS E MAIS REALIDADES. O OUTRO LADO DAS VERDADES
Autor: LUÍS D. PATRÍCIO
1a. edição: Lisboa, Junho de 2023
(c) Luís D. Patrício
Projeto Pedagógico Mala da Prevenção
Capa, design e paginação:
Luis Patrício Mala da Prevenção 2023
Coordenação editorial de
José Antunes Ribeiro
Edição: Espaço Ulmeiro Associação Cultural
Canábis, reflexões à volta deste incómodo-------- Pág 26 a 69
Do outrora ao agora --- Pág 26
O consumo de fumos e, mais fumos nas sociedades. Fumar- Pág 28
Consumo de canábis, dito recreativo ou festivo - Pág 30
A canábis é um produto muito desejado desde antigamente, para uso também no que hoje se denomina uso recreativo ou festivo. Para quem aprecia o comportamento de consumo de fumo, o efeito do fumo de canábis pode ser bastante prazenteiro.
É comum o consumo de haxixe ser feito misturado com tabaco, produto que está legalizado na nossa sociedade e que é comercializado para pessoas maiores de dezoito anos.
A canábis para uso como diversão, não está legalizada em Portugal, e para quem a compra e a paga, é comercializada, alegadamente, às “escondidas”. Mas, também em Portugal não faltam no mercado ilegal, derivados da canábis utilizados no chamado consumo recreativo. E porque não existe qualquer controlo de qualidade de produção, nem informação à população sobre o produto que é consumido, este uso recreativo não é isento de riscos acrescidos.
Os consumidores referem que abundam derivados da canábis. A “oferta” de haxixe é feita em “tiras” provenientes de uma “placa” ou “sabonete” e também “bolota”. Na área metropolitana de Lisboa, seja em local fixo ou, móvel na rua, a “oferta” de pólen/haxixe
é manifesta. Assim ouvi: “Eu compro pólen a 5 euros o grama. Uma placa de cem gramas custa 180 euros, mas oscila de 140, 190, e 230 o top: não é para mim.”
Com menor disponibilidade encontra-se erva, produto muito desejado, apreciado e mais
caro. O óleo de haxixe é mais raro.
Também em Portugal, na última década deste século e em diversos municípios, tem sido crescente o número de estabelecimentos legalizados, lojas de venda ao público,
onde são comercializados produtos derivados, ou relacionados com canábis. A publicidade a estes estabelecimentos comerciais, faz regularmente a sua associação a
produtos verdes, green, apelo a uma calma relação de pureza com a natureza. Não são estabelecimentos de saúde, mas sim de comércio.
Todas estas realidades são razão para um aprofundamento da investigação e da reflexão sobre estes produtos legais e ilegais.
Para melhor compreensão do leitor, partilhamos agradecidos uma síntese do trabalho realizado por Beatriz Correia, na sua tese de mestrado.
“No âmbito da realização de dissertação de mestrado, foram analisadas amostras herbáceas de canábis obtidas em lojas legais em Portugal (vendidas com a indicação de ser um “produto de coleção”), e outras amostras cedidas para o estudo, obtidas na rua.
A principal substância psicoativa presente nas amostras de rua foi o ∆9-tetrahidrocanabinol (∆9-THC), que tem teores muito inconstantes nas substâncias não-controladas.
Nos últimos anos verificou-se um aumento exponencial do mesmo nestes produtos. A canábis tem ainda um papel preponderante em programas de tratamento de adições, sendo responsável por quase metade das admissões.
Os efeitos que o THC provocará no organismo são, tal como o seu teor na planta, imprevisíveis, uma vez que o consumidor não sabe as características do produto que adquiriu.
Relativamente aos teores de canabinóides indicados nos rótulos obtidos nas lojas, apenas uma das quantificações resultou em informação concordante com a rotulada. Em relação aos níveis de canabidiol (CBD) que pode promover, entre outros, o relaxamento
muscular, a maioria das amostras continha um teor muito abaixo da informação fornecida.
Constatou-se que os níveis de THC, ∆9-THC, se encontravam para mais de metade das amostras,em não conformidade com os limites legais estipulados (<0,2% THC).
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Os resultados obtidos levam a querer que a falta de informação é o fator dominante. Quem produz, quem vende e quem compra e consome, não sabe o que tem em mãos. Estes factos demonstram a necessidade do controlo dos produtos disponíveis nestas lojas e dos que estão em circulação no mercado ilegal, bem como a importância de serviços de prestação de análise e informação ao público em geral.
É importante referir, que fazer investigação e produzir informação nesta área revela-se um
sistema complexo. É necessária a autorização da entidade reguladora destes compostos para a sua obtenção, mesmo que em quantidades ínfimas, com uma extensa justificação, e controlo no uso dos padrões, o que leva a um enorme entrave e retardamento na produção científica.” Beatriz Correia. 2022
Importa clarificar o que o ser humano considera ser o uso recreativo.
O consumo humano de canábis para o uso dito recreativo, ocorre na procura de prazer,
individual ou grupal, associado aos seus efeitos psicoactivos. O consumidor imagina o
que deseja sentir. Com frequência, o consumidor refere procurar um agradável encontro
com o prazer, bem-estar, relaxamento, “descompressão”, sensação de liberdade e até
euforia. E há quem procure ainda uma ajuda para a desinibição, para a socialização e
diversão. Mas, só saberá o que acontece depois de consumir fumos. E o mesmo se passa se consumir, comer bolinhos com canábis.
O modo mais usual do humano fazer o uso dito recreativo, é o consumo por via pulmonar, fumando, inalando o fumo provocado pela queima, “fumar uma ganza”, como é usual ouvir dizer. Esse cigarro charro40 ou ganza, contendo a mistura de um derivado da canábis e tabaco, é queimado e o fumo resultante da combustão é aspirado, chupado, fumado. Há consumidores que fumam erva sem misturar com tabaco “ganza de erva”. Há também quem pingue óleo de haxixe num cigarro de tabaco.
O que aqui e agora acaba de ler aqui, é do conhecimento de muitos jovens, já nascidos neste século. Mas, para além das formas de consumir, pode ser útil pensar com mais cuidado, reflectir sobre o conhecimento que existe acerca alguns efeitos no consumidor.
Consumindo fumo, a grande absorção dos químicos da canábis é feita pelos pulmões,
de onde passam para a corrente sanguínea, tal como acontece com a nicotina do tabaco
fumado.
As modificações provocadas pelo consumo de canábis41 no funcionamento do Sistema
Nervoso Central são, pelas mais diversas razões, o efeito vivido como agradável, e por
isso desejado pelo consumidor recreativo ocasional e também pelo consumidor
recreativo regular. O que se revela no ser humano quando consome canábis? Quais são
os efeitos psicoactivos da canábis no consumo humano dito recreativo? Se o organismo
absorver canabinóides, poderão manifestar-se os efeitos provocados por estas substâncias químicas.
O estado da saúde física e mental de quem vai consumir, influencia a forma como cada
consumidor reage ao consumo de canábis. Cada consumidor sente a seu modo os
efeitos do consumo, e que são muitos subjectivos. E não é nada indiferente o ambiente
em que é feito o consumo: individual e isolado ou, feito em grupo.
Os efeitos revelados no consumidor, podem estar relacionados com a sua
personalidade, com as suas expectativas, com a concentração de substâncias
psicoactivas, com a quantidade absorvidas e ainda com a regularidade dos consumos.
40 Os charros, eram também chamados de pintores ou brocas, nos passados anos setenta e oitenta.
41 Quando uma substância tem efeito dose dependente, significa que o aumento da dose aumenta o efeito da substância.
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Os efeitos dos consumos, podem-se manifestar em vários órgãos e sistemas, sendo
aqui destacados alguns efeitos revelados sobre o Sistema Nervoso Central, SNC.
Canábis porquê e para quê? Poderemos dizer canábis prazenteira, para quem dela
retira prazer. E podemos dizer canábis entorpecente para quem com ela consegue
entorpecer. Seria esse o objectivo do “Zé”, jovem menor que dizia: “Tá-se bem. Compro
pólen. Uma tira dá 3 para picas. Uma pica dá-me pedra para três horas. Fumo 3 picas
por dia”. Naturalmente que, neste jovem eram evidentes as suas dificuldades escolares.
Há também quem consuma para “sair”, abstrair, aliviar o mal-estar ou alguma dor42
.
A questão que convém perceber é, saber quando é que a canábis do chamado uso
recreativo, não é mesmo um paliativo para algum mal-estar ou sofrimento, ou seja, um
entorpecente. E assim sendo, o consumo deixa de ser de uso recreativo, para ser de
uso paliativo, ou até, ser um uso como “medicamento” social. Neste caso o seu uso
abusivo é de risco acrescido em crianças e adolescentes, pessoas em fase de
crescimento e cujo desenvolvimento poderá ficar “entorpecido”.
Podemos deduzir que, através do consumo de canábis, também há quem procure
encontrar algum alívio perante uma situação de desconforto ou desprazer, mais do que
encontrar um prazer.
E podemos compreender que, há quem faça consumo de cannabis como sendo, a seu
modo, uma automedicação. Deste modo, será como que uma tentativa de se sentir
menos mal, perante alguma vivência de ansiedade ou de tristeza, ou até de
desorganização ou psicose. De facto, há quem com o seu consumo, procure até o alívio
de alguma grave vivencia psicótica, de um inquietante delírio ou alucinação, apesar da
canábis poder agravar ou desencadear semelhantes sintomas.
Para alguns consumidores, a canábis parece ser uma espécie de panaceia, o que lhe
parece “fazer bem para tudo”. Na verdade, há pessoas que, empiricamente, chamam
ao consumo fumado da ganza... uso recreativo, social e, auto terapêutico.
O que pode revelar o consumo?
Há pessoas que referem que a ganza que fumaram foi bastante agradável e não revelou
alteração vivida como perturbação. Sim, há pessoas que afirmam que o consumo de
erva ou de pólen não revelou distúrbio mental. Esta vivência contribui para que esse
consumo seja valorizado e até “romantizado” ou “beatificado” por alguns consumidores.
E há consumidores que não estão dependentes, que não têm critérios de dependência.
Significa isso que o consumo de canábis, não provoca danos ou até doenças? Para
melhor compreender há perguntas para fazer.
Na pessoa que consumiu derivados da canábis, esse uso foi “legal” (leegal) ou
agradável? E foi “legal” (leegal) ou benéfico para a sua saúde? Consumiu o fumo, ou
usou óleo, ou comeu bolinhos? Foi “legal” (leegal) ou agradável para criar e conservar
amizades? O resultado foi “legal” (leegal) ou agradável para o bem-estar familiar? Foi
“legal” (leegal) ou agradável para as suas capacidades nas actividades, lúdicas, desportivas, culturais, afectivas, amorosas? Melhoraram de facto as suas capacidades intelectuais, escolares ou profissionais?
Ou será que o consumo não terá sido nada “legal” (leegal) ou agradável, e provocou sofrimento, estragos ou doença?
42 No uso de álcool, substância legal entre nós, é bem conhecido o “dar de beber à dor”, expressão cultural mas, anti preventiva.
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Para além da aceitação individual, social ou cultural do uso de canábis, ou da sua
rejeição individual, familiar ou social, na verdade também há consumidores em quem se
revelaram perturbações, após os consumos43
.
Há pessoas em quem o consumo revelou distúrbio mental. E há consumidores que
necessitaram de ajuda para tratamento. E há consumidores que fizeram o pedido de
ajuda, porque sentiram sofrimento e sem o esperar nem desejar. Para quem adoeceu
com o consumo de canábis, ou, para quem agravou uma doença já existente, tudo
piorou. Sem desejar, há quem refira o lento ou o rápido aparecimento de perturbações
de ansiedade 44, de ligeira a intensa com crises de pânico, instabilidade emocional e outras perturbações do humor, tristeza, pessimismo, cansaço e perturbações do sono.
As perturbações da memória, da atenção, na concentração e na aprendizagem são
bastante referidas.
Essas perdas de capacidades, podem ter significativo reflexo nas competências para
estudar, para trabalhar, para poder conduzir viaturas ou utilizar outras máquinas, e para
fazer desporto. Podem ser graves as alterações na percepção do espaço e do tempo,
nos reflexos, e a sonolência, a euforia ou a agressividade.
Há quem refira sentir alterações na percepção das realidades a que chamam nóias ou
paranoias, alterações do pensamento na forma e no conteúdo, ilusões, alucinações,
delírios, medo, e outros sinais e sintomas que fazem sofrer o doente e suas famílias e
amigos.
A “pedra” ou embriaguez canábica, desejada ou não desejada, é uma intoxicação aguda-
......
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